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"Religião e cidadania": católicos e política em Portugal e Espanha nos séculos XIX e XX

“Religião e cidadania: protagonistas, motivações e dinâmicas sociais no contexto ibérico” é o título do mais recente volume do Centro de Estudos de História Religiosa (CEHR) da Universidade Católica Portuguesa.

O livro, que reúne mais de 40 estudos, é coordenado por João Miguel Almeida e António Matos Ferreira, diretor do CEHR e autor da introdução, de que oferecemos alguns excertos, que só por si ajudam a compreender o posicionamento dos católicos na sociedade atual.

 

Introdução

Religião e cidadania, dois termos que transportam uma enorme atualidade, mesmo se povoada por múltiplas contradições e conflitos. A primeira expressão diz fundamentalmente respeito ao sentido das relações e da pertença, à natureza dos vínculos associados à valorização e ao crédito depositado no agir e na perceção da realização individual e social, surgindo como fator de coesão ou de tensão social, remetendo para níveis de identificação, de disciplina e de enquadramento. O segundo termo, associado às sociedades liberais, democratas e abertas, surge como direito e como dever, na construção das instâncias do poder nas sociedades e do protagonismo contratual do indivíduo e dos seus laços.

A modernidade contemporânea, compreendida a partir destas duas referências, assinala a concorrência e a convergência destas duas realidades definidoras da correlação entre verdade, autoridade, liberdade e consciência. A interação destes quatro pólos são a teia na qual se tem dado a recomposição do campo do religioso e, também, a do político. (...)

Esta publicação reúne um conjunto de estudos inicialmente apresentados em Jornadas de Estudo que marcaram durante três anos sucessivos as etapas da investigação realizada no âmbito do projeto «Os católicos portugueses na política do século XX – a reflexão e intervenção de duas gerações: António Lino Neto e Francisco Lino Neto». (...)

Com o conjunto destes trabalhos, agora editados, pretende-se fazer um balanço do conhecimento historiográfico sobre a realidade religiosa do Portugal contemporâneo, com elementos comparativos com Espanha, para além das dimensões institucionais, tradicionalmente centradas nas relações entre o Estado e as Igrejas. Assim, apresentam-se diversos trabalhos que, envolvendo distintos níveis de pesquisa, permitem aquilatar da complexidade da realidade social, cultural e mental, em diferentes domínios, do campo definido pelas pertenças e pelas dissidências no campo do religioso.

Nestes estudos, referentes a um ambiente de hegemonia católica e a um lento processo de desconfessionalização da sociedade, atendeu-se à dimensão da diversificação cultural e mental ocorrida nos períodos do liberalismo constitucional, do radicalismo republicano e do autoritarismo antidemocrático, bem como no processo recente de democratismo europeísta. A ótica escolhida, porque em torno de uma dimensão simultaneamente pessoal e social do religioso sempre mais amplo do que os contornos nacionais, procurou atender a um conhecimento comparativo, nomeadamente com contribuições que permitem examinar certas dimensões dos interfaces do religioso com o todo sociopolítico no contexto ibérico.

Os trabalhos dessas três Jornadas de Estudo, agora em parte reportados, correspondem às seguintes temáticas: Politização dos católicos e motivações religiosas (2008); Crentes e políticos: protagonistas sociopolíticos na sociedade portuguesa contemporânea (2009); e, Organizações e movimentos: dinâmicas de socialização (2010). Estas problemáticas são, portanto, aqui apresentadas como que constituindo três planos ou estratos da realidade societária, em tempos diferenciados, em articulação com distintos acontecimentos e protagonistas. (...)

Atualmente, muitas pessoas consideram com frequência que fazer história resulta do simples facto de se contar ou de se discorrer sobre o passado. Parece bastar-lhes isso tão-somente: urdir o que consideram ser os factos. Adverbiam a reflexão com a expressão «historicamente falando» para se buscar uma legitimidade, escamoteando que a reflexão histórica parte sempre das questões que se debatem socialmente no presente e do modo como estas são transportadas pelos investigadores e se integram num debate cultural, necessariamente aberto.

Por vezes, essa atitude instrumental do conhecimento histórico produz ou corresponde a um efeito de «maravilhoso», em sentido quase «mágico», pela simples evocação de que determinada afirmação é «histórica», confundindo a disciplina da pergunta com formas teleológicas de impor verdades ou de coagir os outros – sempre os outros – a interiorizarem verdades, para se poder apontar sempre o erro – o «erro do outro», um certo ajuste de contas.

Este tipo de atitudes, intelectuais e ideológicas, tornam o estudo e o ensino da história como mero instrumento indutor de moralização ou de justificação, o que é totalmente distinto da sua função hermenêutica e pedagógica em ordem à compreensão da complexidade como constante referência crítica da consciência individual e social. A história tem sido constantemente utilizada por muitos autores como suporte do seu agir político ou para a crítica do atuar de outros. O mesmo se pode afirmar quando está em jogo o protagonismo societário das instituições. (...)

Esta publicação, reunindo uma grande diversidade de contribuições, pretende oferecer uma paleta de variações de discursos e de perspetivas, procurando compreender múltiplos e variados contornos do agir e das respetivas legitimidades procuradas, expressas no debate de cada época e nas distintas modalidades da relação entre o terreno religioso, a realidade da sociedade e a do Estado.

Alguns destes estudos integram uma dimensão de compreensão teológica, sistemática e eclesiológica, a qual permite alargar a relevância das questões abordadas, não circunscritas à simples medida do político, mas destacando a multiplicidade das mundividências, o caráter dos personagens e intervenientes epocais, donde emerge a diversidade de posições sobre a relevância e o estatuto da religião e as distintas denominações na sociedade.

Globalmente, a problemática deste conjunto de estudos inscreve-se na «questão religiosa», enquanto expressão da autonomia do indivíduo na sua consciência e da religião como prática, própria da correlação e da concorrência entre as condições do «crente cidadão» e do «cidadão crente», ao mesmo tempo que diz respeito ao lugar das instituições religiosas na sociedade, ao seu protagonismo e às distintas aceções de influência pública. Nas sociedades ibéricas, mesmo se em circunstâncias e com ritmos diferenciados, esta influência é disputada e concorrenciada por outras instâncias de sentido, nomeadamente pelo Estado, na medida em que este encarna nas suas formas de poder essas mesmas contradições.

Esta disputa resulta dos interesses particulares e de grupo, mas também do debate do que se pode, em determinada época, considerar «bem comum», enquanto legitimação dessa pretendida militância e preponderância.

Na progressiva autonomia do religioso que marca a época contemporânea, em convergência com a formação de uma sociedade de cidadãos, os católicos descobriram e assumiram diversamente, no espaço da sua vivência religiosa, a possibilidade de uma intervenção política. Quando a atividade política, sob diversas formas de intervenção, é desenvolvida a partir do campo do religioso, católico ou outro, estamos perante a concretização e uma manifestação de secularização, ou seja, uma progressiva deslocação da dimensão religiosa, antes entendida num quadro coerente e estruturado de sociedade de cristandade, para uma participação multiforme e multifacetada, em concorrência com outras instâncias sociais e culturais.

Nesta alteração comportamental, verifica-se um conjunto de momentos-chave, de tensão e conflito, entre a visão de um terreno religioso em recomposição, que tem muitas vezes propostas concretas, e um projeto de reelaboração da sociedade, onde o peso da matriz católica ou anticatólica tem grande significado nos espaços peninsulares. Todavia, a emergência de um quadro de resistência a partir do religioso acaba por criar uma dualidade fraturante: o modelo da união em contraponto com o da pluralidade.

As motivações dessa intervenção política apresentam uma enorme diversidade, não coincidente e por vezes concorrencial: porque é preciso recristianizar uma sociedade influenciada pelo laicismo e por outras ideologias consideradas destruidoras de uma harmonia política e social; porque determinados regimes políticos põem em causa a vivência religiosa, seja pela instauração de um novo projeto para a sociedade, seja pela incompatibilidade entre os Evangelhos, o pensamento emanado de Roma ou a doutrina da Igreja, e o curso de acontecimentos e rumo de um dado regime; porque os católicos, por exemplo, assumem que têm um programa para a sociedade e reclamam essa intervenção no quadro de uma sociedade de cidadãos; porque o catolicismo e outras correntes cristãs manifestam, em determinadas ocasiões, uma dimensão de radicalidade que exige ou aponta para uma rutura imediata ou uma revolução; porque os crentes, no âmbito da sua vivência do religioso, defendem um quadro de valores que está a ser posto em causa por regimes ditos progressistas ou conservadores; ou ainda, porque numa dimensão de vivência individual do religioso, os crentes (nomeadamente os católicos) reclamam, mesmo no seio de forças políticas diversas, um espaço de intervenção próprio.

Pode-se, assim, considerar que a politização dos crentes enquanto dinâmica específica, com particular evidência entre os católicos, é um fenómeno apenas possível no quadro de uma sociedade de cidadãos, num ambiente de disputa entre legitimidades distintas e de concorrência entre propostas e projetos diversos para a sociedade.

Quando se considera, de modo mais atento, este processo de identificação e participação política, encontram-se situações muito distintas. Nomeadamente, entre uma participação individual, no seio de grupos políticos não confessionais; uma participação de grupos políticos organizados e identificados de modo confessional; e uma participação apenas cívica, de cariz público, mas sem uma organização concreta com vista a um fim, seja ele eleitoral ou de mudança política efetiva. Por exemplo, no caso dos católicos existe a possibilidade de intervir como decorrente, quer da sua formação e experiência religiosa, quer de razões políticas que a dada altura fazem emergir a sua condição católica como estratégia ou como denominação de campo sociológico. (...)

Perceber a relação entre motivações religiosas e intervenção política, como exercício de cidadania, a partir do estudo de percursos de crentes em diversas conjunturas políticas, desde os finais do século XIX aos processos recentes de democratização das sociedades peninsulares, conduz -nos à relevância do estudo de biografias para a renovação do conhecimento historiográfico sobre a complexidade do tecido do religioso.

Os resultados do trabalho de investigação agora publicados apontam para alguns objetivos alcançados e a prosseguir, nomeadamente: a necessidade de se superar a dicotomia entre conservadores e progressistas como estereótipo descritivo da realidade societária; a relevância de compreender a estruturação dos protagonistas para além de uma questão de «elites sociais», mas descortinar como se formam e se desenvolvem as lideranças sociais formadas no âmbito das instituições religiosas, donde a importância de entender a problemática religiosa na sua dimensão de educação em sentido amplo e não só no da reprodução doutrinal; necessidade de atender a aspetos específicos da composição da relação entre a religião e cidadania através da integração da dimensão internacional das várias denominações nas suas características específicas, através das redes sociais e familiares, dos problemas geracionais e dos itinerários sociais; integrar uma aproximação antropológica que atenda às distintas formas de culto e de espiritualidade, em torno das quais se reelaboraram projetos de recristianização da sociedade, onde se verificaram a superação de certos paradigmas, como por exemplo o da «caridade pastoral» em contraponto ao «empenhamento pela justiça social», dando lugar a uma reactualização da questão da conversão, redefinindo novos patamares como lugares possíveis de transformação da sociedade. Novas temáticas tomam pertinência na investigação, como a de compreender a secularização enquanto processo de relação e confronto entre a convicção e a crença.

Ao ter-se procurado realizar uma análise de forma comparativa, entre ambientes e épocas, pretendeu-se também perceber os modelos de organização na sua contextualização e evolução que, originados no seio das correntes religiosas, constituíram e ofereceram instâncias de participação e de intervenção cidadã na sociedade. Estes estudos visam proporcionar um conhecimento mais fino, mais apurado e detalhado, do modo como se constituem, como se organizam e como funcionam diversas estruturas e experiências que, marcadas pelo desiderato religioso e espiritual, modelaram níveis de funcionamento da sociedade, e do modo como estas mesmas experiências e instituições conformaram o campo do religioso e do social.

 

Índice

 

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António Matos Ferreira
Diretor do Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa
In Religião e cidadania, ed. CEHR
11.06.12

Redes sociais, e-mail, imprimir

Capa

Religião e cidadania
Protagonistas, motivações
e dinâmicas sociais
no contexto ibérico

Coordenadores
António Matos Ferreira
João Miguel Almeida

Editora
Centro de Estudos
de História Religiosa

Ano
2011

Páginas
684

Preço
25,00 €

ISBN
978-972-836-1365


















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