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Rezar com os salmos

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Rezar com os salmos

Os salmos nascem da experiência quotidiana de um povo que, com grande simplicidade e paixão, descreve a amizade de Deus com os homens.

Os salmos são orações, elevações a Deus cantadas pelo povo de Deus. São orações cantadas, no sentido de que não são ditas simplesmente com os lábios, mas são orações em que todo o homem se envolve na sua emotividade, na sua fantasia e na sua imaginação.

Os salmos devem ser cantados, pelo menos interiormente, para se poder entender a sua mensagem. Se ouvísseis este canto dos salmos nalgumas sinagogas da Palestina, poderíeis perceber a força e a violência dos textos.

Cada palavra, cada imagem e cada símbolo deveria ser meditado com grande atenção para que exprimisse toda a sua riqueza. Não basta dizer que o salmo diz isto e mais aquilo; é preciso poder afirmar que o salmo “me” diz isto e mais aquilo, e que “mo” diz deste modo e “me” faz vibrar assim. Portanto, é uma oração que deve ser recebida com toda a força poética de que nasceu.

Há inimigos ou amigos, há a vida ou a morte, a saúde ou a doença, a dor ou a alegria e, a maior parte das vezes, não há cambiantes ou gradações. As palavras são como pedras e as poesias como penedos esculpidos a cinzel.

Ainda hoje os recitamos porque, neles, Deus nos fala e nos faz falar, isto é, Deus ensina-nos a falar com Deus; Deus fala a Deus. Segundo a tradição cristã, nos salmos é o próprio Jesus Cristo que fala a Deus, é Jesus Cristo quem põe na boca da Igreja as palavras verdadeiras, quem põe na boca do homem sofredor de todos os tempos as palavras verdadeiras que o próprio Deus explicou e fez brotar na história da salvação.

São orações do coração feitas a Deus que conhece o coração do homem. Eis o saltério, os 150 salmos que constituem um livrinho muito pequenino.

Os salmos tratam um pouco de tudo: vão das lamentações individuais aos hinos pela vitória, às exaltações pelo rei, à proclamação da glória de Deus, às expressões da alegria do tempo.

Todos os aspetos culturais, religiosos, civis e sociais de Israel entram nos salmos.

E hoje, o que nos dizem os salmos? Estou persuadido de que contêm, pelo menos, três segredos:

- a capacidade de nos ajudar a ler a obra de Deus no mundo como expressão da proximidade e da amizade do Senhor com as suas criaturas;

- a capacidade de ler em profundidade o coração do homem, para reconduzir cada alegria e cada dificuldade à confiança e à esperança de quem crê em Deus.

- a capacidade de ler em transparência a história de um povo para nela descobrir a realização do projeto de Deus que chama todos os homens à felicidade e à salvação.

 

Algumas dificuldades para a oração dos salmos

Ao longo dos últimos três mil anos, a oração sobre os salmos foi característica de hebreus e de cristãos, de simples fiéis, de monges e de santos. Por isso, importa que nos perguntemos a nós mesmos: ainda hoje somos capazes de orar com os salmos que, desde sempre, pertencem à tradição hebraica e cristã?

Podem surgir algumas objeções, como, por exemplo:

- Os salmos estão longe de nós na sua linguagem, nas suas alusões históricas, na mentalidade e na cultura.
É verdade; mas também é quase um milagre que se usem orações escritas há três mil anos; tal familiaridade não existe com nenhum outro texto da antiguidade clássica. Apropriámo-nos dos salmos porque são orações de Deus e, ao mesmo tempo, profundamente humanas; porque os salmos evocam sentimentos e atitudes fundamentais do homem, isto é, o homem do sofrimento e o homem da alegria, numa tensão contínua entre si. Enquanto houver sofrimento e alegria sobre a terra, poderemos sempre orar com os salmos.

- Frequentemente, os salmos parecem despidos.
Não há dúvida que sim, porque são poesias primitivas e, por conseguinte, essenciais, um pouco graníticas, e não poesias barrocas ou decadentes. Mas é precisamente na sua simplicidade que referem a simplicidade do coração humano.

Os salmos são um pouco como os carreiros da montanha, simples especialmente quando se caminha sobre a neve, mas que conduzem aos cumes; são carreiros em direção aos cumes do encontro com o Senhor.

 

Como recitar os salmos de modo inteligente e com grande cuidado

Para recitar os salmos de maneira inteligente é preciso estudá-los, pelo menos um pouco, e examinar as muitas passagens do Novo Testamento que se referem a eles. Os salmos, com o livro do Êxodo e o profeta Isaías, são os mais citados. E, como o Novo Testamento quando os menciona, também os interpreta, ajuda-nos a compreendê-los melhor.

Não são simplesmente orações antigas que conservaram a sua riqueza com o passar dos séculos, mas orações do povo de Deus a caminho, hoje, que nos dizem o que devemos pedir ao Senhor, o que devemos desejar e esperar.

Contudo, é verdade que, por vezes, quando os recitamos na Liturgia das Horas, não sentimos grande devoção. Talvez porque estejamos cansados ou, então, porque recitando-os todos os dias não consigamos saboreá-los. Nessas ocasiões, deixemo-nos guiar por Santo Inácio de Loiola que nos propõe diversos modos de orar.

Assim, distingo três momentos, aplicáveis a todas as orações vocais:

- Na vida há momentos de particular tensão espiritual ou de grande sofrimento em que, como para Jesus na cruz, cada palavra do salmo tem um significado profundo de salvação, nos alimenta e nos ampara. Recitando os salmos, podemos demorar longamente na palavra que nos impressiona, que exprime o nosso estado de alma, o nosso desejo de perdão, de ajuda, de esperança, a nossa alegria e aumenta a nossa devoção.

- Mas também há momentos de tranquilidade em que, recitando os salmos, percebemos a necessidade de aprofundar o significado de cada versículo. A nossa mente e o nosso coração deixam-se envolver, por assim dizer, pelas palavras e sentimos uma espécie de devoção intensa e simultaneamente calma.

- Há um terceiro modo ou tempo de oração que se me tem vindo a tornar cada vez mais claro. Há muitos anos, estive hospedado durante uma semana inteira num mosteiro greco-ortodoxo do Monte Athos e, naturalmente, participava na vida de oração dos monges.

Levantávamo-nos às duas da manhã e, depois de uma hora de oração na cela, descíamos ao coro para recitar os salmos até às seis ou sete. Recitávamos velocissimamente, não se conseguindo compreender praticamente nada, como quando se ora nas sinagogas.

Inicialmente, fiquei perplexo; mas, depois, procurando conhecer melhor a espiritualidade das Igrejas Orientais, compreendi o valor deste modo de orar.

Para os Orientais, a simples pronúncia de uma palavra de Deus purifica a boca e o coração.

Por isso, considero que nalguns momentos, nalguns casos - especialmente quando estamos preocupados e pressionados por muitas coisas -, em que gostaríamos de deixar a Liturgia das Horas, é importante sabermos que a simples recitação das palavras também purifica a nossa língua, a nossa boca e o nosso coração.

Aliás, é precisamente isso que normalmente acontece na reza do Terço: não se presta atenção a cada expressão da Ave-Maria, mas a repetição purifica o coração, dá tranquilidade e paz.

Como um terreno, onde as flores da oração crescem por obra do Senhor. Oferecemos o terreno e também isto é um modo de orar com devoção.

 

Card. Carlo Maria Martini
In "A sede de Deus", ed. Paulinas
Publicado em 02.12.2014 | Atualizado em 16.04.2023

 

 
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Não basta dizer que o salmo diz isto e mais aquilo; é preciso poder afirmar que o salmo “me” diz isto e mais aquilo, e que “mo” diz deste modo e “me” faz vibrar assim
Ao longo dos últimos três mil anos, a oração sobre os salmos foi característica de hebreus e de cristãos, de simples fiéis, de monges e de santos. Por isso, importa que nos perguntemos a nós mesmos: ainda hoje somos capazes de orar com os salmos que, desde sempre, pertencem à tradição hebraica e cristã?
Não são simplesmente orações antigas que conservaram a sua riqueza com o passar dos séculos, mas orações do povo de Deus a caminho, hoje
Nalguns momentos, nalguns casos - especialmente quando estamos preocupados e pressionados por muitas coisas -, em que gostaríamos de deixar a Liturgia das Horas, é importante sabermos que a simples recitação das palavras também purifica a nossa língua, a nossa boca e o nosso coração
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