A história deve ser procurada também nas bancas de usados, nos depósitos dos antiquários e nos mercados. Aí damo-nos conta de que ela é um acumulado de precários vestígios destinados à passagem, à dispersão e à recuperação.
A história captura-se (ou dá-nos a ilusão de deixar-se capturar) nestas sequência poeirentas de livros que pertenceram a alguém; nos objetos usados, mas que marcam ainda uma intimidade; nos papéis em desordem que misturam cartas íntimas e documentos burocráticos, imagens, peças dispersas e fantasmagorias.
É que nós, humanos, morremos várias vezes. À nossa morte soma-se a que acontece quando as casas são esvaziadas, as bibliotecas encaixotadas, as gavetas reviradas sem pudor, porque a vida anseia por começar de novo.
Aquilo que deixamos é também este género de despojos que estão sempre a um passo de ser reinterpretados como tesouros ou como tralha.
Por isso, a alma e as entranhas da história são expostas nas bancas destes mercados de quinquilharias e coisas efémeras, para onde as cidades enviam a descarga diária que fazem das nossas histórias.
São os pequenos paraísos dos bibliófilos, dos colecionadores de coisas bizzaras, dos viajantes que propositadamente vão em busca daquilo que é insignificante para levá-lo consigo. São como os geólogos do tempo.