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Uma ténue luz que vence o mal

No Evangelho segundo Marcos, o episódio da cura de um jovem endemoninhado, ou, como se pensa, doente de epilepsia (9, 14-29), está encastoado entre dois anúncios da paixão de Jesus. Com efeito, às palavras sobre o regresso de Elias que precedem este texto, Marcos acrescenta algumas sobre a paixão do Filho do homem (cf. 9, 9.12), que fazem de moldura com aquelas que seguem no segundo anúncio da paixão (cf. 9,30-32).

O texto presente, portanto, pede para ser lido à luz do mistério pascal, à luz daquela paixão, daquela descida às trevas do sofrimento e da morte a que Jesus irá ao encontro, mas que não terá sobre Ele a última palavra, como prefigurou e anunciou o episódio, imediatamente anterior ao nosso excerto, da transfiguração de Jesus por parte do Pai. Transfiguração que é anúncio e primícia da vida nova do ressuscitado (cf. 9,9-10) e, com Ele, de toda a criatura.

Neste tempo de graça que é a Quaresma, a luz da ressurreição guia e orienta o caminho dos crentes, confere-lhe sentido e critério de discernimento, funda a esperança dos cristãos, sustenta-os e encoraja-os na luta contra o mal.

Esta página do Evangelho, efetivamente, anuncia-nos que não existe devastação existencial em que a luz da ressurreição não está já presente e operante. Talvez como um ténue brilho no fundo do abismo de uma treva, mas ténue brilho que possui em si a força, o “poder” ou “possibilidade” – é a linguagem ligada à raiz do grego “dýnamis”, “poder”, que está nos versículos 22-23 – que lhe vem da vida nova já presente e operante em Jesus crucificado e ressuscitado.



Da parte dos cristãos, nenhum triunfalismo, seja porque na história a morte e o mal ainda estão presentes, seja porque, diz-nos Marcos, os próprios discípulos, perante este feliz anúncio, continuavam incrédulos e incapazes, tal como o serão perante o anúncio da ressurreição de Jesus



É por isso que Jesus diz que aquela espécie de demónios do jovem só pode sair com a oração: porque a oração põe-se como abertura e acolhimento de uma vida e de uma força vital que o ser humano não pode dar a si mesmo, mas que só pode receber de Deus.

Há forças do mal, como aquela que se apodera do jovem, que devastam a vida dos seres humanos, porque mais fortes do que a capacidade da razão de as dominar e da vontade humana de as conter. O ser humano experimenta por vezes ser como que possuído, habitado, arrastado, impelido por forças negativas de que se sente presa, de que não conhece a origem e que o induzem a fazer o mal, a destruir vidas, inclusive a sua.

O ser humano faz a experiência de que há nele forças mais fortes do que ele a que sente não ser capaz de resistir. O Evangelho não nega isto, e não nos diz sequer porque é que isso acontece. Traz-nos apenas a boa notícia de que diante daquele que se apresenta como forte, diante de uma força devastadora na vida dos seres humanos, Jesus põe-se como aquele que é mais forte, capaz de aprisionar e de tirar a presa a quem do ser humano se apoderou.

Por isso Marcos diz que Jesus tomou o jovem pela mão, fê-lo levantar-se e ele pôs-se de pé. Jesus agarra, toma a sua mão, atos que indica a sua tomada de posse, a sua definitiva vitória sobre o mal e o seu poder sobre a morte. E depois há dois verbos que nos Evangelhos indicam a ressurreição: «fê-lo levantar-se» (verbo “eghèiro”), e o jovem «levantou-se» (verbo “anístemi”).

Da parte dos cristãos, contudo, nenhum triunfalismo, seja porque na história a morte e o mal ainda estão presentes, seja porque, diz-nos Marcos, os próprios discípulos, perante este feliz anúncio, continuavam incrédulos e incapazes, tal como o serão perante o anúncio da ressurreição de Jesus. E todavia, conscientes da sua incredulidade, são chamados a pedir aquela fé que é abertura à ação de Deus, para quem nenhuma palavra é impossível, e que por isso torna «tudo possível a quem crê». E a anunciar assim a toda a criatura a boa notícia da ressurreição.


 

Irmãs de Bose
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: jozefmicic/Bigstock.com
Publicado em 05.03.2019

 

 
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