Vasco Graça Moura: A Páscoa bonita de um descrente
A missa de sétimo dia por alma de Vasco da Graça Moura (1942-2014) foi celebrada, a pedido da família, na igreja da Foz do Douro, sua terra natal e onde foi batizado.
O poeta, ficcionista, ensaísta, dramaturgo, cronista e tradutor deixou um vasto património cultural que lhe dá uma réstia de imortalidade na memória dos portugueses.
No seu belo poema “Domingo de Páscoa”, confessa-se «descrente empedernido», mas lembrando que o compasso, ao anunciar o Ressuscitado, de casa em casa do casario da Foz Velha, era «bonito, tocante, familiar, colorido, matinal e sempre esperado».
A igreja barroca de S. João da Foz esteve, sábado passado [3 de maio], cheia como um ovo. O Evangelho de S. Lucas referia a viagem de dois discípulos de Emaús que regressavam a casa tristes pela derrota do Cristo crucificado. Um anónimo companheiro seguiu-os na caminhada e foi-lhes explicando os textos sagrados da Lei e dos profetas. Ia-lhes estremecendo o coração, predispondo-os para a esperança. Quando o companheiro aceitou entrar em casa e, à mesa, lhes abençoou o pão e o partilhou, descobriram que só poderia ser o Senhor, vivo, como tinham anunciado na manhã daquele dia, em Jerusalém, as mulheres que encontraram o túmulo vazio e foram informadas por anjos que o Mestre ressuscitara.
Foi o Espírito de Deus que fortaleceu Jesus para vencer a morte. É o Espírito que os textos santos confirmam que «sopra onde quer, a quem quer e quando quer». Isso também quer dizer que ninguém O pode privatizar. É tão denso e universal que faz renascer a Criação e a Humanidade. É capaz de inspirar a grandeza das obras humanas de crentes ou não-crentes.
Também os «descrentes empedernidos» como Vasco Graça Moura podem deixar-nos, nas suas obras, sementes do Verbo de Deus que frutificam sob a inspiração do Espírito. Tudo o que é verdadeiro, bom e belo tem o selo de Deus.
Na missa da Foz, familiares, amigos e admiradores recomendaram Vasco Graça Moura à largueza do Espírito misericordioso de Deus. Depois da proclamação, escuta e meditação da Palavra de Deus, tive a oportunidade e o prazer de ler três poemas seus que refletem a qualidade da sua arte e ouvi mais dois, lidos com a emoção de familiares. Ficamos com a sensação de elevar até Deus símbolos ricos da criatividade do Vasco Graça Moura, imagens visíveis do verdadeiro Deus invisível e indizível.
Oh como o Espírito de Deus sopra onde quer, como quer e a quem quer!
Deus não é exclusivo de alguém para que, em Seu nome, deixemos de rezar pelos «descrentes empedernidos», que partem a caminho da plenitude da vida.
Ao rezar pelo Vasco Graça Moura, prometi reler os seus textos que mais conheço e aprecio. É a minha outra forma de invocar Deus para que o surpreenda com a plenitude da vida, aquela com que sonham os poetas à maneira dos santos.
Cón. Rui Osório
In Voz Portucalense, 7.5.2014
15.05.14

Foto: D.R.






