Qual é a relação entre acreditar em Deus e comportamento moral? E quanto são importantes Deus e a oração na vida das pessoas? O Pew Research Center (EUA) colocou estas perguntas, em 2019, a 38 426 pessoas em 34 países. Os resultados apontam para respostas diferenciadas de acordo com a região do globo, o rendimento, a instrução e tendências políticas.
Em 34 países, presentes nos seis continentes, uma média de 45% afirma que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais. Mas há grandes variações regionais nas respostas a esta pergunta.
As pessoas, nas economias emergentes incluídas nesta sondagem, tendem a ser mais religiosas e são mais propensas a considerar a religião importante na sua vida, e também mais inclinadas – comparativamente àquelas que vivem em economias avançadas – a afirmar que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais. Há, no entanto, diferenças no interior dos países. Em geral, as pessoas relativamente não religiosas são mais propensas do que aquelas que são muito religiosas no mesmo país a dizer que não é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais.
Apesar das diferenças na observância religiosa, uma média de 62% nos países considerados afirma que a religião desempenha um papel importante na sua vida, enquanto 61% concorda na afirmação de que Deus exerce um papel importante, e 53% diz o mesmo em relação à oração. Desde 1991, a percentagem das pessoas que dizem que Deus é importante para elas aumentou na Rússia e Ucrânia, enquanto aconteceu o oposto no mesmo arco de tempo na Europa ocidental.
Nos oito países da Europa ocidental entrevistados, uma média de 22% afirma que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais, enquanto em seis nações da Europa oriental estudadas uma média de 33% partilha a mesma opinião. Uma pesquisa anterior indica que o continente europeu, na sua totalidade, é cada vez mais laico, mesmo se entre os europeus há diferenças assinaláveis entre os países orientais e ocidentais na atitude relativa à religião e às minorias religiosas.
As opiniões sobre a oportunidade de acreditar em Deus para ter princípios morais variam de acordo com a religião
Entre os 13 países entrevistados na União Europeia, a Grécia tem a maior percentagem de habitantes que unem a fé em Deus à moralidade (53%), seguida, de perto, pela Bulgária (50%) e Eslováquia (45%). Todavia, em muitos países do continente europeu, são relativamente poucas as pessoas que afirmam que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais: 9% na Suécia, 14% na República Checa e 15% em França.
São menos de metade quer no Canadá quer nos EUA aqueles que afirmam que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais (26% e 44%, respetivamente).
Ao contrário, quase todos os entrevistados na Indonésia e nas Filipinas (96% cada um) assinalam uma ligação entre a fé em Deus e ter princípios morais. E quase oito em dez (79%) na Índia afirmam o mesmo. Mas na Ásia oriental os sul-coreanos estão divididos (53% afirma que é necessário, 46% consideram que não), enquanto quotas mais pequenas no Japão (39%) e na Austrália (19%) defendem que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais.
No Médio Oriente e nas nações norte-africanas entrevistadas, pelo menos sete em dez no Líbano (72%), Turquia (75%) e Tunísia (84%) pensam que é necessário acreditar em Deus para possuir princípios morais. Os israelitas estão divididos, com 48% da população em cada uma das partes.
Fortes maiorias em cada uma das nações da África subsariana entrevistas afirmam que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais. Mais de nove em dez no Quénia e Nigéria (respetivamente 95% e 93%) relacionam a fé em Deus com a moralidade, e 84% dos sul-africanos é da mesma opinião.
Maiorias nos três países da América Latina entrevistadas afirmam que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais, com a quota mais alta no Brasil (84%). O catolicismo permanece a maior religião na América Latina, e a maioria dos católicas nos países entrevistados na região pensa que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais.
Surpreendentemente, quer a Rússia quer a Ucrânia conheceram uma evolução da opinião sobre esta questão, mas em direções opostas. A Rússia viu um aumento de 11 pontos percentuais desde 2002 na quota daqueles que consideram necessária a fé em Deus para possuir princípios morais, enquanto a Ucrânia teve uma queda de 11%.
À parte da Rússia, outros dois países – Bulgária e Japão – viram aumentos significativos na percentagem dos seus cidadãos que têm esta opinião (respetivamente 17 pontos e 10 pontos).
Além da Ucrânia, quatro países – México, Turquia, Coreia do Sul e EUA – assistiram a diminuições significativas do percentual dos seus cidadãos segundo os quais a fé em Deus é necessária para ter princípios morais.
Diferenças de opinião sobre a fé em Deus e moralidade com base no rendimento “per capita”
Na totalidade, os entrevistados das nações com um produto interno bruto (PIB) mais baixo são mais propensos a dizer que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais e possuir bons valores. Por outras palavras, existe uma relação inversa entre o rendimento “per capita” e a percentagem de cidadãos que sublinham esta conexão entre a fé em Deus e a moralidade. A análise estatística mostra uma forte correlação inversa, com um coeficiente de -0,86.
Por exemplo, no Quénia, que tem o rendimento “per capita” mais baixo das 34 nações incluídas nesta análise ($4 509 em 2019), 95% dos entrevistados é da opinião que a fé em Deus é parte integrante do ser pessoa com princípios morais.
Ao contrário, 9% dos entrevistados na Suécia – que tem um dos mais altos rendimentos “per capita” das nações sondadas ($ 55 815 em 2019) – afirma que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais. Este dado é corrente com as pesquisas anteriores, segundo as quais os europeus tendem a ser menos religiosos do que a população de muitas outras partes do mundo.
Individualmente, aqueles que ganham o mesmo ou mais do que o rendimento médio são significativamente menos propensos a dizer que a fé em Deus é necessária para a moralidade. A maior diferença entre os diferentes níveis de rendimento está nos EUA, onde existe uma disparidade de 24 pontos percentuais entre aqueles abaixo do rendimento médio e aqueles que estão acima.
A maior parte dos países entrevistados mostra diferenças geracionais sobre a questão de a fé em Deus ser necessária para ter princípios morais e possuir bons valores. Em harmonia com as análises passadas, segundo as quais os jovens são, geralmente, menos religiosos, aqueles entre os 18 e 29 anos tendem menos a dizer que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais.
Na maior parte dos 34 países considerados, as pessoas de idade igual ou superior aos 50 anos são significativamente mais propensas em relação àquelas de idade compreendida entre os 18 e 29 anos no considerar que a fé em Deus é necessária para a moralidade.
Isto é particularmente verdade na Coreia do Sul, onde 64% dos adultos mais idosos considera que a fé em Deus está ligada à moralidade, enquanto um quinto dos jovens do país afirma a mesma coisa.
A diferença entre adultos de idade igual ou superior a 50 anos e jovens adultos entre 18 e 29 anos é igual ou superior aos 20 pontos percentuais na Coreia do Sul, Grécia, Argentina, EUA, México, Polónia, Japão, Hungria, Bulgária e Eslováquia.
As diferenças de idade sobre esta pergunta encontram-se em quase todas as regiões do mundo. Na Nigéria, Tunísia, Turquia e Brasil, pelo menos sete pessoas em dez em cada faixa etária concordam em considera a fé em Deus necessária para a moralidade. Mas na República Checa e na Suécia, não mais de duas em dez em qualquer faixa de idade são do mesmo parecer. Em nenhum país entrevistado as pessoas de idade compreendida entre 18 e 29 anos são mais inclinadas, comparativamente às faixas de idade avançada, a dizer que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais.
Maior educação está ligada à convicção que Deus não é necessário para possuir bons valores
Na maior parte dos países europeus e norte-americanos entrevistados, as pessoas com mais instrução são menos inclinadas a dizer que a fé em Deus é necessária para ter princípios morais. Esta tendência segue de perto a relação entre os níveis de rendimento e a maneira como as pessoas respondem a esta pergunta, no sentido que existe uma correlação entre o nível de instrução e os rendimentos.
Além disso, há diferenças nesta pergunta entre os entrevistados com diversos níveis de instrução em diversas outras nações incluídas na sondagem de 2019. Em 24 dos 34 países considerados, aqueles que têm um maior nível de instrução são significativamente menos propensos a considerar a fé em Deus como necessária para ter princípios morais. Não há diferenças significativas entre os outros 10 países envolvidos no estudo.
Em 15 países entrevistados, as pessoas da direita ideológica têm uma probabilidade significativamente maior de dizer que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais e ser possuidor de bons valores (a ideologia é autorreferencial e varia de país para país). A maior parte das que são de direita nos EUA, Grécia, Argentina e Israel afirmam que a fé em Deus é necessária para a moralidade; são menos de metade as de esquerda que naqueles países dizem a mesma coisa. A diferença esquerda-direita supera os 30 pontos percentuais nos EUA, Polónia e Grécia.
Ainda que só um em dez dos suecos de direita afirme que é moralmente necessário acreditar em Deus, a diferença entre direita e esquerda permanece no país: 2% das pessoas de esquerda afirma a mesma coisa. As de direita são, por sua vez, muito propensas a dizer que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais: Hungria, Espanha, Canadá, Argentina, Alemanha, Israel, Brasil, Austrália, Coreia do Sul, Reino Unidos, Países Baixos e Suécia.
A Eslováquia é o único país entrevistado em que as pessoas de esquerda são mais inclinadas a declarar que é necessário acreditar em Deus para ter princípios morais: 49% das que são de esquerda no país está de acordo, comparativamente com 33% das de direita.
A importância da religião varia nas diferentes partes do mundo
Na maior parte dos países examinados, mais de metade das pessoas afirma que a religião é ou «muito importante» ou «um tanto importante» na sua vida. Todavia, os europeus mostram geralmente menos compromisso religioso nesta escala comparativamente a pessoas de outras regiões.
À pergunta sobre a importância da religião na sua vida, a maioria de 23 países em 34 afirma que a religião é muito ou algo importante para elas. Isto diz respeito a nove pessoas em dez, ou mais, na Indonésia, Nigéria, Tunísia, Filipinas, Quénia, Índia, África do Sul, Brasil e Líbano.
Maiorias em muitos destes países têm níveis particularmente elevados de compromisso religioso, e afirmam que a religião é muito importante nas suas vidas. Atitudes do género são comuns na Indonésia (98%), Filipinas (92%), Tunísia (91%), Brasil (84%), Índia (77%), Turquia (71%), Líbano (70%) e em todos os países africanos considerados: 93% na Nigéria, 92% no Quénia e 86% na África do Sul.
Os países europeus tendem a ter quotas muito mais pequenas do que aqueles que afirmam que a religião é «muito» ou «de algum modo» importante nas suas vidas: 22% dos adultos na Suécia, 23% na República Checa, 33% em França, 39% nos Países Baixos e Hungria.
Em muitas nações europeias, uma pluralidade de pessoas afirma, por seu lado, que a religião «não é de todo importante» nas suas vidas. É o caso da República Checa, da França, dos Países Baixos, da Suécia e do Reino Unido, onde os adultos se limitam a afirmar que a religião não é de facto importante nas suas vidas, mais do que escolher qualquer outra opção de resposta.
Diferentemente, mais de seis em dez entrevistados na Grécia, Polónia e Itália afirmam que a religião é «muito» ou «de algum modo» importante nas suas vidas. São muitas as pessoas na Grécia a dizer que a religião é de certo modo importante na sua vida (80%), comparativamente com outros países europeus. Maiorias mais pequenas na Alemanha, Eslováquia, Lituânia (cada um com 55%) e Bulgária (59%) afirmam que a religião é pelo menos de algum modo importante para elas.
Maioria diz que Deus tem um papel mais importante do que a oração
Quando se faz a distinção nas perguntas sobre os papéis que têm a oração e Deus na sua vida, são mais aqueles que dizem que Deus é mais importante do que a oração, ainda que fortes maiorias na metade dos países entrevistados afirma que são ambos importantes.
Em 34 países, uma média de 61% afirma que Deus exerce um papel importante na sua vida, enquanto são 53% aqueles que consideram a oração importante na sua vida quotidiana.
Os entrevistados nos países mais ricos tendem a não estar de acordo sobre o facto de ser necessário acreditar em Deus para ter princípios morais, e também as pessoas nos países mais ricos em geral declara que Deus e a oração não são particularmente importantes nas suas vidas.
As pessoas nas economias emergentes são mais do dobro em comparação com quantas pertencem a economias avançadas a dizer-se de acordo com o facto de a oração ser uma parte importante da vida quotidiana. Nove em dez, ou mesmo mais, em todas as economias emergentes (exceto a Ucrânia) afirmam que Deus tem um papel importante nas suas vidas. Ao contrário, são menos de metade dos entrevistados em 11 países economicamente avançados que consideram Deus importante na vida. Do mesmo modo, enquanto uma média de 41% nas economias avançadas afirma que a oração constitui uma parte importante da vida quotidiana, são 96% as pessoas das economias emergentes que dizem que o é.
Em alguns países, entre os entrevistados são menos aqueles que dizem que a oração é parte importante da vida quotidiana comparativamente com quantos sustentam que Deus é importante nas suas vidas. Por exemplo, 71% dos entrevistados israelitas afirma que Deus é importante nas suas vidas, e 54% diz o mesmo da oração. Entre os muçulmanos israelitas, grande parte partilha esta convicção. Entre os israelitas muçulmanos, 96% afirma que Deus é importante nas suas vidas, comparativamente com 66% dos judeus israelitas. Para 81% dos israelitas muçulmanos, a oração é importante, comparativamente com 50% dos israelitas judeus.
As opiniões sobre se Deus tem um papel importante na vida diferem substancialmente também com base na pertença religiosa. Não surpreende que na maior parte dos países sejam relativamente poucas as pessoas não afiliadas (aquelas que afirmam que são ateias, agnósticas ou «nada em particular») que concordam em dizer que Deus é importante nas suas vidas.
Todavia, cerca de três em dez pessoas religiosas não afiliadas na Argentina e nos EUA afirmam que Deus é importante para elas, e uma maioria de pessoas religiosamente não afiliadas no México afirma que Deus desempenha um papel importante nas suas vidas.
Há um acordo quase unânime sobre o facto de Deus ser importante na vida entre as pessoas de todas as principais pertenças religiosas no Brasil, Filipinas e Quénia, bem como entre todos os entrevistados muçulmanos e cristãos na Nigéria.
Crescimento do significado de Deus após a dissolução da União Soviética
Seguindo tendências bem documentadas que descrevem o declínio do cristianismo na Europa ocidental, a percentagem dos europeus que afirmam que Deus tem um papel importante na vida diminuiu após 1991. Espanha, Itália e Polónia registaram as diminuições mais dramáticas, com uma queda, respetivamente, de 26, 21 e 14 pontos percentuais. Esta tendência reflete-se em muitos outros países europeus, entre os quais a Lituânia. Após o desabamento da URSS, a Lituânica viu uma diminuição de 12 pontos percentuais na quota daqueles que consideram que Deus tem um papel importante nas suas vidas.
Ao mesmo tempo, outras ex-repúblicas soviéticas em que a religião foi duramente reprimida ou praticamente banida durante o período soviético registaram um aumento do percentual de pessoas que afirmam que Deus tem um papel importante na vida. Quer a Ucrânia quer a Rússia conheceram aumentos de dois dígitos na percentagem de pessoas que dizem que Deus é importante para elas. Na Bulgária, ex-satélite da URSS, 41%, em 1991, declarou que Deus era importante nas suas vidas; hoje, a maioria dos entrevistados búlgaros (55%) exprime a mesma convicção.
Tendências semelhantes ocorrem para aqueles que afirmam que a oração é uma parte importante da sua vida quotidiana.