Há várias maneiras de conceber o cinema. Porém, o que move cada realizador deveria ser sempre o olhar que antepõe ao objeto da narrativa. No caso de Jonas Carpignano (“Mediterrâneo”, 2015) o olhar e o objeto da história parecem magicamente sobrepor-se.
Nascido como continuação da precedente e homónima curta-metragem de 2014, “A Ciambra” confirma inequivocamente o talento do cineasta ítalo-americano, nascido em 1984.
O objeto da narrativa é a homónima comunidade romani de Gioia Tauro, na Calábria, o olhar é o que se pousa sobre um momento decisivo na vida de um dos habitantes, Pio, de 14 anos.
Depois de o irmão mais velho se juntar ao pai na prisão, Pio começa a providenciar às necessidades da numerosa família. Para isso, no entanto, conhece apenas um caminho: roubar.
A maneira mais rápida, mais lucrativa e menos arriscada de o fazer é entrar nos comboios e desembarcar pouco depois com as malas dos passageiros.
Depois, para vender os “tablet” e outros objetos subtraídos, conta com a ajuda de Ayiva (Koudous Seihon, já protagonista em “Mediterrâneo”), imigrante do Burkina Faso com quem o rapaz constrói uma verdadeira relação de amizade, que lhe permite integrar-se sem problemas em toda a comunidade africana do lugar.
E será precisamente quando tiver que escolher entre trair ou não essa amizade, que o percurso de Pio para a vida adulta tomará a direção definitiva.
Filho de uma imersão total nos lugares e nas dinâmicas quotidianas da família Amato (Carpignano conhece-os desde 2011, quando teve que esperar o fim do funeral do patriarca Emilian para acordar o preço de “resgate” do Fiat Panda que lhe tinham roubado), “A Ciambra” é uma anómala história de adolescência que, através do filtro de ficção, traz à superfície uma verdade que, provavelmente, nenhum documentário teria podido desvelar melhor.
O olhar do realizador é perfeitamente horizontal (não exalta, não denigre), a câmara de filmar não se interpõe mas torna-se um corpo único da narração, a tomada de posição é filha de uma necessidade vital, a de não querer de forma alguma pedir ao espetador para modificar o seu eventual preconceito.
Não é um filme que queira mudar nem o objeto nem o destinatário da narrativa. A tentativa, bem sucedida, de Carpignano é sobretudo de os colocar ao mesmo nível. E precisamente por isso “A Ciambra” é um filme totalmente revolucionário. Porque não explica, nem mostra banalmente, mas realmente vive.