“Dia Mundial dos Pobres” é denominado o domingo que há quatro anos foi instituído pelo papa Francisco para chamar a atenção dos cristãos para o cuidado pelos pobres. Não é, portanto, uma atenção que se concentra num conceito abstrato – como poderia ser um “dia da pobreza” –, mas que se encontra com rostos reais dos pobres, os antigos e os novos, os dos esfomeados e sem-teto, que estiveram sempre connosco, e aqueles que despontaram, numerosos, neste tempo de pandemia e se adivinham atrás dos das lojas fechadas, das mesas dos cafés desertas. O 4.º Dia Mundial dos Pobres celebra-se no domingo que antecede a solenidade de Cristo Rei, uma data que poderia parecer inapropriada para uma liturgia dedicada aos pobres: a figura de Cristo que resplandece em toda a sua riqueza, em vestes branquíssimas, na glória do Reino dos Céus parece a uma distância sideral dos rostos dos pobres, das enegrecidas alcovas em que se encovilam, dos seus andrajos inapresentáveis, dos seus sofrimentos e das suas vergonhas. Mas a verve evangélica fez dos pobres os titulares do Reino do Céus: «Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus», ousou dizer Jesus no início da sua vida pública, e o papa Francisco colheu em pleno essa audácia.
Não há fé bíblica, não há Deus dos cristãos nem conceção do mundo e do humano sem a inclusão dos outros, sem a perceção de que sobre a Terra somos um único corpo formado por muitos membros, e nenhum pode ser eliminado sem que todo o organismo se ressinta. «Estende a tua mão ao pobre»: assim começa a Mensagem do papa, com uma citação do livro do Sirácida (7,32), que explica expressivamente a alma do desvelo da Igreja pelos pobres, da urgência evangélica para com eles, e do dever moral de nunca os esquecer. Porque o tema dos pobres não é daqueles que poderia saber a retórica; os “pobres” são aqueles olhos, aquelas experiências humanas, as vidas negadas e as incivilidades que revelam a maneira como todos nós, famílias, comunidades, povos e nações, vivemos as nossas relações, redigimos regras e leis, estabelecemos direitos e deveres. Os pobres são o espelho dos nossos estilos de vida, de tudo aquilo que fazemos com as mãos.
Ao concentrar a sua reflexão nas mãos estendidas, o papa lança um cone de verdade sobre os entrelaçamentos de que é feita a sociedade humana, e que são expostos à luz pela presença dos pobres. O elenco dos exemplos começa pelos laços de bondade, pelos vínculos de amor que foram pérolas de alegria, bálsamos de graça para os “pobres” da pandemia: as mãos estendidas dos médicos, dos enfermeiros, dos administradores, dos sacerdotes, dos voluntários. Mãos de magos que souberam transformar os débeis, os impotentes, em pessoas livres e libertadas, mais felizes que um rei! A sua solícita ternura sanou, amaciou, salvou do abandono e do medo. Ao poder das mãos estendidas na súplica e no empenho para com os pobres, o papa contrapõe as mãos estendidas de quem, com aparente inocência, lança a vida de tantos na condenação, na maldição. São duras as cenas concretas que exemplificam estas mãos estendidas ao contrário, relativamente às primeiras, que destroem a dignidade “real” de cada criatura humana, tornando-a inumana e escrava.
É implacável a denúncia do número nove da Mensagem: «Mãos estendidas para premer rapidamente o teclado dum computador e deslocar somas de dinheiro duma parte do mundo para outra, decretando a riqueza de restritas oligarquias e a miséria de multidões ou a falência de nações inteiras. (…) Mãos estendidas a acumular dinheiro com a venda de armas que outras mãos, incluindo mãos de crianças, utilizarão para semear morte e pobreza. (…) Mãos estendidas que, na sombra, trocam doses de morte para se enriquecer e viver no luxo (…). Mãos estendidas que às escondidas trocam favores ilegais para um lucro fácil e corrupto».
O Dia Mundial dos Pobres é uma ocasião para compreender que o mundo não é governado pelo acaso, mas pelas opções que os humanos fazem com as suas mãos, a direção em que elas se levantam. Um momento importante para redescobrir a dignidade da liberdade que a todos pertence. Aos pobres, em primeiro lugar. Um ponto firme do qual voltar a partir, na consciência de sermos todos pobres, e certos de que nada poderá vencer as mãos operosas da justiça e a tensão insone da fraternidade.