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Leitura: “A vida de Jesus. Com comentários do papa Francisco”

Foi publicado em Portugal, em novembro de 2022, um novo texto de Andrea Tornielli, “A vida de Jesus. Com comentários do papa Francisco” (ed. Dom Quixote). Escrever uma nova vida de Jesus poderia parecer algo de titânico, se se quisesse ter presente a interminável bibliografia científica sobre o tema, ou anacrónico, se se considerar o nosso tempo como desafeto a uma certa literatura do passado que pouco se conjuga com os dados sistemáticos dos exegetas, e que, em muitos casos, mais do que fornecer uma história apenas nos deu tentativas de romance com os acontecimentos de Jesus de Nazaré meramente como cenário.

Mas o trabalho de Andrea Tornielli situa-se num plano completamente diferente: a sua biografia reúne essencialmente os quatro Evangelhos e as hipóteses mais acreditadas pelos estudiosos, entretecidas com uma incomum capacidade narrativa que permitiu ao autor poder preencher cuidadosamente e de maneira conseguida inclusive os espaços de silêncio que os evangelistas deixaram

Há uma relação estranha e original que o cristão entrecruza com a Palavra de Deus. Como em toda a religião, também o cristianismo tem um seu livro sagrado, todavia há uma diferença fundamental que é sempre difícil de alcançar até ao fundo: a palavra de Bíblia não é simplesmente palavra que codifica uma moral ou sugere uma teologia, mas é essencialmente relação com Alguém que fala agora, neste momento, a este fragmento de vida que se vive, provocando não apenas reflexões, mas mudanças autênticas. Não é uma característica mágica, mas performativa.

A Palavra de Deus contida na Bíblia muda-nos assim como a relação com uma pessoa viva deixa a marca em nós mesmo se disso não nos damos imediatamente conta. Esta consciência em relação à Palavra de Deus cresceu progressivamente também no sentir da Igreja, e grandes mestres do caminho espiritual forneceram-nos sempre, ao longo dos séculos, cada vez mais detalhes e experiências para ligar mais diretamente a experiência viva da fé à Palavra.



«Se não temos experiência do Cristo vivo, com o qual o Evangelho nos põe em contacto, arriscamos a agarrar apenas ideias ou, pior, ideologias sobre o Evangelho. Ou seja, teremos contacto não com Jesus, o Vivente, mas com opiniões e pensamentos sobre Ele, alguns dos quais verdadeiros, outros não. Mas não fomos salvos por essas ideais, mas por uma pessoa, Jesus Cristo»



Santo Inácio de Loyola, por exemplo, sugere nos seus exercícios espirituais um autêntico uso da imaginação, convidando a pessoa que reza a não se limitar a ler um excerto, mas a entrar dentro dele: «(…) aqui será ver com a imaginação a estrada de Nazaré a Belém, considerando quando é longa e larga, e se segue em planície ou por vales ou por alturas; assim também ver a gruta da natividade, observando se é grande ou pequena, baixa ou alta, e o que contém (…)». Este método fornece a quem se aproxima da Palavra não só uma relação intelectual, mas afetiva.

Escreve o papa Francisco na introdução: «O amor não se vive por correio, não se pode cultivar apenas à distância: é verdade que algumas vezes pode acontecer, mas são exceções. O amor precisa do contacto contínuo, do diálogo contínuo; é escutar o outro, acolhê-lo, vê-lo. É partilhar a vida. Se não temos experiência do Cristo vivo, com o qual o Evangelho nos põe em contacto, arriscamos a agarrar apenas ideias ou, pior, ideologias sobre o Evangelho. Ou seja, teremos contacto não com Jesus, o Vivente, mas com opiniões e pensamentos sobre Ele, alguns dos quais verdadeiros, outros não. Mas não fomos salvos por essas ideais, mas por uma pessoa, Jesus Cristo». Não é sugestão, mas encontro total da pessoa em todas as suas faculdades físicas, psíquicas, espirituais com a vida dAquele que, por fé, consideramos vivo e vivente.

O trabalho de Andrea Tornielli é uma formidável ajuda a entrar na Palavra do Evangelho com este género de aproximação, com o acrescento original de um olhar meditativo fornecido precisamente pelo papa Francisco, que, como bom jesuíta, nestes anos de pontificado muito insistiu sobre a recuperação de uma frequência dos Evangelhos feita desta maneira. Eis então como as páginas deste livro podem ajudar muitos a reencontrar uma nova proximidade com o Evangelho e com Jesus Cristo.

Fazer a experiência de uma história concreta, pontual, dá um sentido novo à própria vida de Jesus que não é narrada para edificar, como uma das tantas histórias inventadas, “míticas”, que foram a espinha dorsal de muitas culturas e períodos históricos, mas é, antes, uma história concreta que o autor aponta com precisão ao início de cada capítulo, dando a quem lê a vertiginosa sensação de se encontrar numa crónica, não numa fábula. Está precisamente aqui o grande dom destas páginas: emprestar-nos o imaginário, escutar com os olhos, deixar-se evangelizar pelos sentidos, encontrar Alguém que, definitivamente, não é só o protagonista do livro, mas o Protagonista de toda a História.


 

Luigi Maria Epicoco
In L'Osservatore Romano
Trad. / edição: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 07.10.2023

 

 

 
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