António Nobre em Paris
A Torre Eiffel não tinha ainda dois anos quando, no dia 26 de outubro de 1890, António Nobre [1867-1900] chegou a Paris e se instalou no n.º 2 da rue Racine. Recordo aqui dois encontros do poeta: com o filósofo Sampaio Bruno, em 1891, e com o escultor Tomás Costa, no ano seguinte.
Sampaio Bruno [1857-1915] tinha chegado a Paris, exilado da fracassada revolta republicana de 31 de Janeiro de 1891, no Porto. Leem-se estas palavras no seu prefácio à edição de Despedidas [1902]: «Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, duma alma em carne viva, como a minha por então andava».
António Nobre, nessa tarde de 1891, abandonou o Quartier Latin e visitou Sampaio Bruno, no Quartier du Faubourg-Montmartre, num desses quartos para exilados, onde a solidão é tantas vezes irredimível e são raros os milagres. Na rue de Trévise encontraram-se dois dos mais importantes intelectuais portugueses do século XIX: o filósofo e o poeta. Por um instante, o spleen de Paris foi mais português do que nunca.
D.R.
Durante esses anos, em Paris, António Nobre perdeu o irmão Júlio [em 1892] e o pai [José Pereira Nobre, no ano seguinte], regressou algumas vezes a Portugal, apareceram os primeiros sintomas de tuberculose, surgiram dificuldades económicas e licenciou-se em Direito na Sorbonne [no princípio de 1895]. No dia 21 de abril de 1892, o livreiro Léon Vanier [editor, entre outros, de Mallarmé, Verlaine e Rimbaud] imprimiu 230 exemplares do Só, livro que, quando o folheamos e lemos no Quartier Latin, nos dói como nenhuma ausência ou perda até então nos tivesse assim doído.
Tomás Costa [1861-1932] ingressou, em 1882, na Academia Portuense de Belas-Artes, onde foi discípulo dos mestres Marques de Oliveira e Soares dos Reis, e condiscípulo de António Teixeira Lopes. Em 1885, concorreu ao lugar de pensionista do Estado, em Paris, e partiu para a capital francesa, onde estudou [com Alexandre Falguière e Antonin Mercier], esculpiu e participou em importantes exposições.
Foi em 1892, em Paris, que Tomás Costa desenhou e esculpiu o busto do poeta. O desenho foi reproduzido na 2.ª edição do Só [em 1898] e o busto foi reproduzido em bronze pelas oficinas Sá Lemos [Vila Nova de Gaia] e integrado num monumento inaugurado no Porto [no Jardim de João Chagas, na Cordoaria], em 1927. Sobre esse busto, Sant’Anna Dionísio escreveria: «dando o poeta do Só com o seu peculiar sorriso característico, de tristeza levemente desdenhosa e transcendente». Mais tarde, foram inauguradas réplicas em Coimbra, Penafiel, Funchal, Leça da Palmeira e Póvoa de Varzim.
D.R.
António Nobre morreria no Porto, em 1900, vítima de tuberculose ou dessa enfermidade que não é bem tristeza, nem é só saudade e que tem a ver com o facto de certos poetas serem ainda aqueles seres humanos que existem mais desapaixonadamente, porque por instantes conheceram uma beleza incontida e inefável, um milagre, e parece-lhes trágico ter de suportar o resto da vida.
Nas suas Memórias, Raul Brandão escreveria: «Fugiam dele antes de publicar o Só; os poetas do seu tempo odiaram-no depois de publicar o Só. Ser diferente dos outros é já uma desgraça; ser superior aos outros é uma desgraça muito maior. Viveu sempre isolado. […] Entrou na morte como tinha vivido – só. Digamo-lo, digamo-lo… No fundo detestaram-no, detestaram-no todos. Não lhe puderam perdoar a impertinência, o desdém, o génio. Era um ser diferente. […] Estávamos todos mortos por nos desfazermos desse ser à parte, desse eterno cônsul sem consulado, desse estudante de Coimbra que os lentes reprovavam e que nos fazia sombra. Mas debalde o arredámos: houve uma coisa nova que passou pelo mundo e que ficou no mundo – que nos ficou na alma… Agora estamos todos apaziguados, todos podemos esquecer a superioridade, a afetação e o desdém infantil de António Nobre».
Fernando Pessoa, num parágrafo comovente, evoca-o assim: «Quando ele nasceu, nascemos todos nós. A tristeza que cada um de nós traz consigo, mesmo no sentido da sua alegria, é ele ainda, e a vida dele, nunca perfeitamente real nem com certeza vivida, é, afinal, a súmula da vida que vivemos – órfãos de pai e mãe, perdidos de Deus no meio da floresta, e chorando, chorando inutilmente, sem outra consolação do que essa, infantil, de sabermos que é inutilmente que choramos».
Post-scriptum
O monumento, no jardim de João Chagas, na Cordoaria, foi concebido com um busto de bronze assente num pedestal em mármore, sob uma base de granito com três degraus. O projeto, da autoria do arquiteto António Correia da Silva, foi executado pela portuense Industrial Marmorista. De acordo com Alexandrino Brochado, em O Porto e a sua estatuária [1998], o busto «é uma ampliação feita pela casa Sá Lemos, de Vila Nova de Gaia, do que em Paris modelou […] o escultor Tomás Costa. No espólio do dr. Augusto Nobre – irmão do poeta – está o original, que constitui um belo retrato desse espírito gentil do romantismo, António Nobre».
O busto em bronze que encimava o monumento era, com efeito, significativamente maior do que original, em gesso, que Tomás Costa modelara em Paris, em 1892. No princípio de 2017, o busto foi roubado. Em abril de 2019, o monumento foi sujeito a um sofrível exercício de restauro que não lhe devolveu a nobreza, tendo o busto do poeta sido substituído por uma réplica com as mesmas dimensões do original modelado por Tomás Costa, completamente desproporcionado em relação ao monumento.