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Aprender a ler

Estamos, no hemisfério norte, em pleno tempo de dias frios, muitas vezes aborrecidos, e ficamos mais em casa, quem sabe passando horas a ler e a pensar. Aprender a pensar significa, com efeito, também aprender a ler: ler o mundo, as situações, os acontecimentos, aquilo que “está escrito” porque outros o puseram “preto no branco”. Não foi por acaso que os medievais faziam derivar a palavra latina “intellegere” – “compreender” – de “intus legere”, “ler a partir de dentro”.

Ler é sempre procurar interrogar e interpretar: para fazer isto, é preciso retirar-se do “comércio” que nos rodeia, esquecer aquilo que está presente aos nossos sentidos e concentrar-se naquilo que se quer ler. Ler é por isso fixar os olhos e a atenção em sinais escritos, numa sucessão de espaços brancos e de sinais de tinta dispostos ordenadamente na superfície de uma página, até sair quase de nós mesmos (ou a descer às nossas profundidades…) para mergulharmos na escrita.

Para ler só é preciso encontrar tempo, saber possuir e ordenar o tempo, parando de dizer “não tenho tempo”, e um livro ao qual dedicar atenção. Mesmo no meio da multidão, no comboio, no autocarro, esta operação torna-se possível, e o “leitor” converte-se, para quem o observa, como um ícone de interioridade, uma imagem de recolhimento, uma alusão à viagem da mente.

A leitura, de facto, é uma conversa, um diálogo com quem está ausente e pode estar afastado milhares de quilómetros no tempo e no espaço: é um receber a palavra de um outro e torná-la própria, interpretando-a no diálogo da própria intimidade. Santo Agostinho comparava a Escritura a um espelho que revela o leitor a si mesmo, Gregório Magno falava da “Escritura que cresce juntamente com o leitor», e Marcel Proust, no termo da sua monumental obra “Em busca do tempo perdido”, abria-lhe novos horizontes, ainda mais vastos, na convicção de que os seus leitores tinham sido “leitores de si mesmos”, enquanto o livro era só o meio que lhes era oferecido para que lessem dentro de si próprios.

Sim, também e sobretudo na nossa sociedade da imagem, ler é uma operação de grande humanização: é uma resistência à ditadura da informação instantânea, é uma viagem empreendida com a palavra do outro, um caminho para edificar a própria interioridade, para aprender e afirmar a liberdade, para comer e beber a palavra, isto é, para nutrir-se.

É verdade que quando a barbárie avança, mostra-se antes de tudo enquanto tal precisamente na hostilidade para com a leitura, até è destruição dos livros, na fogueira das bibliotecas. Não esqueçamos o aviso de Heinrich Heine: «Onde os livros se dão às chamas, acaba por queimar-se também os homens».


 

Enzo Bianchi
In Monastero di Bose
Trad./adapt.: Rui Jorge Martins
Publicado em 10.01.2020 | Atualizado em 07.10.2023

 

 
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