Michael Richards, o de Seinfeld, durante um número de stand-up comedy perdeu a cabeça e começou a insultar os pretos. O grupo de pessoas que o ouvia manifestou-se de imediato. Insultaram-no e abandonaram a sala, aparentemente pequena. Ele, apercebendo-se do que se passara, fez o mesmo, curvado, como não podia deixar de ser. Mais tarde pediu desculpas, sinceras, e tentou explicar o ter agido assim, mas nem ele sabia. Por instantes tinha perdido a cabeça. O que dissera era inadmissível. Não podia acontecer. Aconteceu. Também a ele, que não é racista. That’s all.
Mas não é o único. William Faulkner, tal como Flannery O`Connor, escreve em algumas das suas obras sobre a relação entre os pretos e os brancos. Não só do que presenciava mas também sobre aquilo que sabia que o tempo ia continuar a tecer. Em Luz em Agosto, Faulkner, chega mesmo a dizer que a maldição dos brancos serão sempre os pretos.
No passado dia trinta de Novembro, na sala do Teatro Sá de Miranda, em Viana do Castelo, vimos Eunice Muñoz, ou melhor Miss Daisy, personagem teimosa, velha, bonita, irresistível, vivendo num tempo em que o mundo estava a mudar. Ou pelo menos assim parecia. Entre 1948 e 1973. Mudou, mesmo. Em relação aos pretos também? Apetecia-me perguntar, com Morrisey, porque é que Estados Unidos ainda não elegeram um presidente negro?
Hoke, preto, cristão, o motorista de serviço, aqui interpretado por Thiago Justino foi, axiologicamente falando, subindo, naturalmente, a pirâmide ao longo das duas horas e meia da peça. Tão rápido o relógio! A Srª. Daisy Werthan, viúva, também, muito. O filho, Boolie, encarregou-se de nos mostrar o caminho percorrido pela mãe e por Hoke, ao longo de vinte e cinco anos. O longo caminho!
Em cima do palco duas mesas, dois telefones, duas casas, portanto, um biombo e dois ou três carros. Três actores. Ao telefone mais de três. Mais casas. Três ou quatro expressões de Miss Daisy foram o suficiente para ela, para nós, se aperceber, nos apercebermos, que estava em presença de O Urso de Faulkner. Aquele último olhar, aquela última expressão… Inominável?