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Jornalismo e Religião

Um erro crasso no telejornal revela muito sobre a forma como os media lidam com a religião.

Sendo jornalista, tenho particular atenção à forma como os assuntos religiosos são tratados pela imprensa secular. Hoje o telejornal do canal 1 anunciou alegremente que em Chaves, devido à falta de padres, em breve seriam os leigos a celebrar missas.

Para quem não sabe, um padre é um elemento essencial para a celebração de missa. Na ausência deste não há eucaristia, logo não há missa. Quanto muito há uma celebração, essa sim presidida por leigos, ou por um diácono (que não é leigo, mas também não pode celebrar missas) a que se chama “Celebração da Palavra”.

Uma missa só é missa com a celebração do rito eucarístico, que um leigo não pode fazer. Não porque não convém, ou por falta de preparação, mas porque não sendo ordenado não tem essa capacidade. Dizer que os leigos celebrarão missas na ausência dos padres faz tanto sentido como dizer que os homens darão à luz na ausência de mulheres com disponibilidade.

Estamos, portanto, perante um erro. Fosse caso único, já seria deplorável, mas não o é, infelizmente.

Tanto quanto consegui verificar, o lapso terá surgido aqui, numa peça do Jornal de Notícias. Se foi publicada na edição impressa ou não, não sei. A peça aparece assinada por Margarida Luzio e o próprio título já é extremamente confuso “Missas de 15 em 15 dias e celebradas por leigos”. Uma interpretação literal deste título levar-nos-ia a crer que já não há padres na diocese, e isto sem fazer sequer referência ao erro dos leigos celebrarem missa. Contudo, logo no início do artigo aparece-nos o seguinte: “Só deverá haver missas com a presença de um padre de 15 em 15 dias”.

Muito bem, dúvida esclarecida. Os padres são poucos e sobrecarregados, esse fardo diminui-se, pedindo que eles celebrem missas em algumas paróquias de duas em duas semanas em vez de todas. Até aqui tudo bem. Mas onde é que se foi buscar a ideia de que os leigos “celebrariam” as missas entretanto? A única que aparece surge no quarto parágrafo e, ainda por cima, na boca de um padre que deve ser o mesmo padre Albino que surge citado outra vez, mais abaixo, e que diz que "as pessoas vão na mesma à missa e reagem muito bem”.

Com afirmações destas, até se poderia desculpar a jornalista por uma aparente manifestação de ignorância. Porém, é possível que estejamos a olhar na direcção errada quando apontamos o dedo à Margarida Luzio... isto porque, numa procura muito rápida, encontramos um artigo praticamente idêntico, e assinado pela mesma, aqui. Notem a grande diferença no título: “Missas com padres só de 15 em 15 dias” e a entrada, menos sensacionalista, mas muito mais correcta: “Nesse intervalo, a cerimónia religiosa dominical será celebrada por um leigo”. Nesse artigo, não há nada que indique que Margarida Luzio não saiba a diferença entre uma missa e uma celebração da palavra.

Dêmos então o benefício da dúvida à Margarida, pois o mais provável é que o título infeliz do JN tenha sido criado por um editor, esperançado por dar um pouco mais de brilho a uma notícia que, por si, nada tem de especial. As celebrações da palavra são já comuns em muitos locais, incluindo a arquidiocese de Lisboa.

Do JN terá sido “picado” pela RTP e o erro foi-se repetindo sem que ninguém em duas das mais importantes redacções do país (JN e RTP) o tenha notado.

Estarei eu a fazer uma tempestade num copo de água? Estaria, se este fosse um caso isolado. Mas não é. A forma como a imprensa lida com a religião e as notícias religiosas é má, e apenas terá tendência a piorar, à medida que os grandes meios de comunicação despedem jornalistas experientes e os substituem por jovens acabados de formar que nos cursos de jornalismo ou comunicação social, não aprendem como lidar com o religioso.

Quando morreu o Papa João Paulo II, a BBC, debaixo de uma imagem de um grupo de religiosas, explicava aos seus leitores que se tratavam de freiras da Luz do Karma, ou em inglês “Karma Light Nuns”. Evidentemente estávamos perante um grupo de simpáticas Carmelitas, em inglês Carmelite nuns. Isso mesmo. Alguém interpretou e escreveu as palavras “Freiras” “Luz” e “Karma” na mesma frase, e não lhe passou pela cabeça que poderia estar algo mal. Ainda não chegámos a esse ponto absurdo, mas a continuar assim não faltará muito.

A religião é uma zona sensível da vida das pessoas. Quando vêem a sua fé apresentada de forma completamente caricatural, como tantas vezes acontece, acabarão por perder a pouca que ainda têm na classe jornalística. Como jornalista e crente, teria muita pena que isso acontecesse.

P.S. Continuo à espera de perceber por que razão o JN decide ilustrar um artigo sobre a escassez dos padres com uma fotografia de um grande conjunto de bispos, mas enfim...


 

Filipe d’Avillez
Atualizado (mudança de grafismo da página) em 17.10.2023

 

 
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