Prémio de Cultura Padre Manuel Antunes
Fernando Echevarria

Poemas escolhidos

Cada dia nos dê o nosso pão
e comê-lo nos abra aquela casa
de inteligência e coração
onde sentar-se é mesa rasa
de ver quantos não estão
sentados nessa casa.
E comer se ilumina, e abre-se portão,
ou qualquer coisa de brasa
entra no movimento e na palavra,
como se cada gesto e cada som
fosse uma leitura que se abra
dentro da história de não haver senão
a de estarmos à mesa da palavra,
transparentes, à luz de se partir o pão.

 

 

Iluminar-nos ilumina
outros iluminar-se.
Mais longe que a pupila
e numa base
laboriosamente cristalina
onde se passe
glorioso pensar e obra divina
quanto a nós e em nós somos análise.
Análise lendo pluralíssima
a actividade cintilante
que quase nem se timbra,
menos que sombra quase
de a lermos, repentina,
mas insondável base.

 

 

É um silêncio que se empolga activo.
Avassala a ignorância de arredores
e os empurra para o seu sem sítio.
Ou para onde o esquecimento os tome.
Silêncio em fase. De que vai surdindo
o ponto de negrume, a lomba informe
a adensar a dureza de corisco.
O surdo estrépito iminente. De onde
o arabesco desobstrui o ritmo
e abre a solidão que o desenvolve.
E é o silêncio. O luminoso zimbro
abstracto, imóvel.
E a decifrar, não só o enigma, o signo
em que esse enigma reencontra o nome.

 

 

É doce envelhecer quando o que avança
é ir recrudescendo a inteligência.
Entra-lhe o mundo no vagar. Decanta
o seu volume inteiro de contenda.
Transporta-se. E entrega na palavra
a inteligível criação. Entrega
o desenvolvimento. O pulso. A trama
que ajustam sua refundação aberta.
E a doçura de se ir vendo alarga
o envelhecimento a quase ciência.
Uma ciência onde o enigma é alma.
E onde o mundo contunde. Insiste. E pesa.

 

 

Estamos aqui. E este aqui é casa
onde somente se ilumina a mesa
que deixa para trás, e a ocupá-la,
toda a luz que não seja a da paciência.
A mesa mesmo, quase que desaba
na invisibilidade da tarefa.
para se esclarecer ali a trama
e a coesão críptica dela.
Mas resplandece. Traz acima a herança
imprevisível. Com a transparência
de pulso rodeado, aonde espanta
a sua justa nitidez apenas.
Já não estamos aqui. Estamos em alma.
E a alma é altura santa de estranheza.

 

 

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