O sociólogo polaco Zygmunt Bauman, considerado um dos mais rigorosos estudiosos da sociedade pós-moderna, considera que o diálogo é uma «verdadeira revolução cultural», embora não seja como «um café instantâneo», que dá efeitos imediatos.
Em entrevista publicada hoje no jornal italiano “Avvenire”, concedida durante o encontro “Sede de paz”, que termina hoje em Assis, o investigador acentua que «a única personalidade contemporânea» que pondera «com realismo» as questões da convivência multicultural e multirreligiosa e as faz chegar a cada pessoa é o papa.
A sua intuição sobre a pós-modernidade líquida continua a oferecer um olhar lúcido sobre o tempo presente. Mas nesta liquidez regista-se uma explosão de nacionalismos e identidades religiosas. Como se explicam?
Começamos pelo problema da guerra. O nosso mundo contemporâneo não vive uma guerra orgânica, mas fragmentada. Guerras de interesses, por dinheiro, pelos recursos, para governar sobre as nações. Não a chamo guerra de religião, são outros que querem que seja uma guerra de religião. Não pertenço a quem quer fazer acreditar que haja uma guerra entre religiões. Nem sequer a chamo assim. É preciso estarmos atentos para não seguir a mentalidade corrente. Em particular a mentalidade introduzida pelo politólogo de serviço, pelos meios de comunicação, por aqueles que querem recolher o consenso, dizendo o que se quer ouvir. Como bem sabe, num mundo permeado pelo medo, este penetra a sociedade. O medo tem as suas raízes na ansiedade das pessoas, e mesmo se temos situações de grande bem-estar, vivemos num grande medo. O medo de perder posições. As pessoas têm medo de ter medo, mesmo sem darem uma explicação do motivo. E este medo tão móvel, por exprimir, que não explica a sua fonte, é um ótimo capital para todos aqueles que o querem utilizar por motivos políticos ou comerciais. Falar assim das guerras e das guerras de religiões é uma das ofertas do mercado.
Ao pânico das guerras de religião junta-se o das migrações. Há alguns anos Umberto Eco dizia que para quem queria capitalizar o medo das pessoas, o problema da emigração tinha chegado como um presente do céu…
Assim é. Guerras de religião e imigração são nomes diferentes dados hoje para explorar este medo vago e incerto, mal expresso e mal compreendido. Estamos, todavia, a cometer um erro existencial, confundindo dois fenómenos diferentes: um é o fenómeno das migrações e outro o fenómeno da imigração, como observou Umberto Eco. Não são um fenómeno, são dois fenómenos diferentes. A imigração é um companheiro da história moderna, do Estado moderno, porque a sua formação é também uma história de imigração. O capital precisa do trabalho, o trabalho precisa do capital. As migrações são algo de diferente, é um processo natural que não pode ser controlado, que faz o seu caminho.
Como é que se pode encontrar um equilíbrio para estes fenómenos?
A solução oferecida pelos Governos é a de apertar cada vez mais o cordão das possibilidades de imigração. Mas a nossa sociedade é agora irreversivelmente cosmopolita, multicultural e multirreligiosa. O sociólogo Ulrich Beck diz que vivemos numa condição cosmopolita de interdependência e intercâmbio a nível planetário mas nem sequer começámos a desenvolver a consciência disso. E gerimos este momento com os instrumentos dos nossos antepassados. É uma armadilha, um desafio a enfrentar. Não podemos voltar atrás e subtrair-nos ao viver juntos.
Como integrar sem aumentar a hostilidade, sem separar os povos?
É a pergunta fundamental do nosso tempo. Não se pode sequer negar que estamos num estado de guerra e provavelmente será também longa esta guerra. Mas o nosso futuro não é construído por aqueles que se apresentam como “homens fortes”, que oferecem e propõem aparentes soluções instantâneas, como construir muitos, por exemplo. A única personalidade contemporânea que leva por diante estas questões com realismo e que as faz chegar a cada pessoa é o papa Francisco. No seu discurso à Europa fala do diálogo para reconstruir o tecido da sociedade, da equitativa distribuição dos frutos da terra e do trabalho, que não representa uma pura caridade, mas uma obrigação moral. Passar da economia líquida a uma posição que permita o acesso à terra com o trabalho. De uma cultura que privilegie o diálogo como pate integrante da educação. Que se tome atenção, repete-o: diálogo-educação.
Porque é que, no seu entender, o papa está convicto de que seja a palavra que não devemos parar de repetir? No fim de contas, o que é o diálogo?
Ensinar a aprender. O oposto das conversas normais que dividem as pessoas: aquele no justo e outro no erro. Entrar em diálogo significa superar o umbral do espelho, ensinar a aprender a enriquecer-se pela diversidade do outro. Diferentemente dos seminários académicos, dos debates públicos ou do tagarelar de guerrilha, no diálogo não há perdedores, mas só vencedores. Trata-se de uma revolução cultural em relação ao mundo em que se envelhece e morre ainda antes de crescer. É a verdadeira revolução cultural em relação a quanto estamos habituados a fazer e é isso que permite repensar o nosso tempo. A aquisição desta cultura não permite receitas ou escapatórias fáceis, exige e passa através da educação que requer investimentos a longo prazo. Devemos concentrar-nos em objetivos a longo prazo. E este é o pensamento do papa Francisco, o diálogo não é um café instantâneo, não dá efeitos imediatos, porque é paciência, perseverança, profundidade. Ao percurso que ele indica, acrescentarei uma só palavra: assim seja, ámen.
Francisco, que apelou aos católicos para rezarem esta terça-feira pela paz, junta-se hoje aos cerca de 500 líderes religiosos que se reúnem em Assis, por ocasião dos 30 anos do encontro inter-religioso promovido na cidade italiana por iniciativa do papa S. João Paulo II.
Stefania Falasca