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Bispo escreve a quem trai o país com fuga aos impostos, e espera que não haja cristãos entre os evasores

Egrégios evasores fiscais,
(“e-gregio” quer dizer, com efeito, “fora, acima da grei”, da gente comum), como bispo mais jovem e como presidente da Pax Christi, movimento internacional para a paz, escrevi aos políticos do tempo, convidando-os a ser coerentes com as suas opções políticas e convergentes com o bem da nação; agora, no termo da minha vida (tenho 96 anos) quero escrever uma carta a vós.

A pandemia que estamos a viver obrigou-nos a viver mais retirados, e por isso mais cuidadosos em relação à nossa vida pessoal e ao bem da coletividade. E é assim, por exemplo, que nos demos conta do trabalho das muitas máfias que, atentas para evitar situações mais clamorosas, como as que acabam em mortes e massacres, exploram a situação para aumentar as suas riquezas, por exemplo com empréstimos usurários a quem não consegue encontrar meios legais para acorrer à falta de dinheiro causada pela limitação do trabalho ou pela sua perda. Ao contrário, há quem chegue a defraudar para ter subsídios a que não tem direito.

Isto fez-nos pensar em como as limitações, quer do sistema de saúde como dos meios para conter a expansão da pandemia e travar as crises da indústria e das empresas, derivam também das menores disponibilidades económicas causadas também ao que se evade por parte de quem não paga os impostos, sobretudo de quem, com a riqueza, consegue encontrar os meios para levar os seus bens para os denominados paraísos fiscais. Esta é uma grande injustiça, porque tudo quanto é levado para fora da nação foi amealhado com o trabalho dos concidadãos e utilizando as leis (e as subtilezas) do Estado. É triste pensar que a nação vos tenha feito crescer e desenvolver até ao ponto de a poderdes trair.



Peço-vos desculpa se vos ataquei publicamente. Espero, em todo o caso, fazer-vos pensar. Como bispo, rezarei por vós, pelas vossas famílias e pelas vossas atividades, obviamente contanto que sejam honestas



Não quero pensar que entre vós estejam aqueles que formalmente figuram como respeitosos – ou, até, participantes ativos – do cristianismo que acompanhou a história da nossa nação, mas depois transgridem a sua mensagem fundamental, que é a de não se fechar no seu egoísmo, mas abrir-se aos outros, precisamente a começar dos mais pequenos, dos mais pobres, dos mais marginalizados. Assim fazem os chefes das muitas máfias, que, depois, cobertos pelas suas violências, protegem as devoções populares e se fazem reverenciar, ou aqueles políticos que no mundo ostentam objetos e protegem franjas de estruturas religiosas para cobrir as suas menores atenções humanas. Não gostaria que também vós, ainda que auxiliando publicamente algumas obras de solidariedade, quisésseis “descontar” a vossa injustiça de fundo.

É verdade que, por vezes, no mundo, os impostos podem parecer excessivos ou injustos. Mas, em democracia, devem encontrar-se os meios, sobretudo da parte dos mais abastados, como é o vosso caso, para as corrigir, não para ter um pretexto para se evadir deles, levando o seu dinheiro aos… infernos fiscais. Porque, infelizmente, o dinheiro torna-se quase uma divindade, aliás, a verdadeira alternativa a Deus: já Jesus tinha dito claramente (usando um termo local) que não podemos servir dois senhores: ou Deus ou Mamona (o dinheiro).

Não sei se também algum padre alguma vez vos disse que a evasão fiscal é pecado mortal: disse-o há algum tempo, laicamente, Romano Prodi, repete-o hoje um bispo, mesmo se emérito. Gostaria de repetir a frase forte que S. João Paulo II proclamou, contra as máfias: «Convertei-vos! Um dia tereis de responder diante de Deus». E, então, não haverá desculpas nem coberturas.

Peço-vos desculpa se vos ataquei publicamente. Espero, em todo o caso, fazer-vos pensar.

Como bispo, rezarei por vós, pelas vossas famílias e pelas vossas atividades, obviamente contanto que sejam honestas.


 

D. Luigi Bettazzi
Bispo emérito de Ivrea, Itália
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: robuart/Bigstock.com
Publicado em 07.10.2023

 

 
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