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Construir resiliência através da arte

«Queridos amigos, escrevo-vos tomada pelo desespero, perguntando-vos se podeis ajudar com algum financiamento das mulheres da Kuchinate. É uma emergência!» São as palavras da Ir. Azazet Habtezghi Kidane, comboniana, co-fundadora da Kuchinate, associação que, graças à antiga arte do croché e à realização de numerosos objetos em estilo africano (bolsas, fronhas, aventais, etc.), oferece um salário justo às mulheres eritreias, etíopes, costa-marfinenses, nigerianas, sudanesas que há anos emigraram para Israel.

«Por causa da guerra», explica, «a associação está fechada, com zero vendas. Contamos com estes rendimentos para pagar às nossas artesãs. Sem eles encontramo-nos numa situação desesperada: pela primeira vez incapazes de ajudar as nossas mulheres. As nossas mulheres são, com toda a verdade, as mais vulneráveis nesta sociedade». Por isso a religiosa está empenhada numa recolha de fundos, para que se possa oferecer sustento económico e assistência psicológica nestes tempos difíceis.

O apelo revela a condição dos migrantes em Israel, bem como uma das realidades que se alinha ao seu lado: a associação Kuchinate. «O ato de sentar-se juntas num ambiente comum e solidário enquanto se realizam criações radicadas na cultura africana», explicam os representantes da associação, «é terapêutico e ajuda as mulheres a enfrentar as suas difíceis realidades».

O objetivo da Kuchinate (que significa “croché” em tigrínia, a língua falada na Eritreia e no norte da Etiópia) é conseguir a resiliência e o bem-estar através de um processo que inclui conferir mais poder económico, suporte psicossocial, formação». A associação nasceu em 2011 para responder ao fenómeno da imigração de africanos para Israel, que começou em torno em meados da primeira década deste século. Milhares de pessoas começaram a chegar ao país para fugir de guerras, perseguições e torturas.



Esta luta pela sobrevivência é particularmente pungente para os requerentes de asilo com deficiências físicas ou mentais, para aqueles que têm familiares com necessidades especiais e para as mães solteiras



A Ir. Expedita Perez Leon refere que os migrantes chegavam através da península do Sinai egípcio. «Na sua viagem sofriam violências inauditas, inclusive torturas e violações. Muitos foram raptados e era pedido resgate a familiares e amigos. As mais atingidas eram as mulheres, que muitas vezes tinham gravidezes indesejadas, feridas físicas e desalento psicológico. Traumas que muitas mulheres continuam a enfrentar, inclusive anos após a sua chegada», assinala.

Ao chegar a Israel, depois de um período de detenção em estruturas muitas vezes sobrelotas, a maior parte dos migrantes estabelece-se na costa, a sul de Telavive. Enquanto requerentes de asilo não podem trabalhar, e por isso não têm qualquer rendimento, como também não conseguem aceder a serviços de saúde, alojamento, educação, formação profissional.

Há hoje mais de trinta mil africanos requerentes de asilo em Israel, a maioria provenientes da Eritreia e Sudão. Em 2012 foi aprovada a primeira de cinco emendas à lei anti-infiltração, que considera «infiltrados» todos aqueles que entram no território israelita, além da construção de uma vedação ao longo da fronteira entre Israel e Egito. Ao mesmo tempo foram desenvolvidas políticas de contenção que conduziram à detenção de muitos requerentes de asilo, por períodos de tempo indefinidos. Emendas sucessivas autorizaram a deportação de população requerente de asilo para países do Terceiro Mundo (como o Uganda e o Ruanda, segundo fontes não oficiais). Estas políticas foram e continuam a ser contestadas nos tribunais israelitas por grupos defensores dos direitos humanos em Israel. Com a guerra, a situação dos migrantes só piorou.



Na Kuchinate as mulheres aprendem a enfrentar a situação, a construir resiliência através da arte, a fazer comunidade, a aumentar a estabilidade, a aprender competências comercializáveis e transferíveis, e a viver com dignidade



«O que fazer para sobreviver? As famílias vivem amassadas em apartamentos minúsculos, pelos quais pagam rendas muito elevadas», refere a Ir. Expedita. Esta luta pela sobrevivência é particularmente pungente para os requerentes de asilo com deficiências físicas ou mentais, para aqueles que têm familiares com necessidades especiais e para as mães solteiras.

«Uma mulher eritreia com deficiência era obrigada a viver num local pequeníssimo, pagando uma renda elevadíssima. Não podia trabalhar e não sabia como sair dessa situação. Graças ao croché conseguiu obter um pequeno rendimento que lhe permite viver serenamente», recorda a religiosa.

As crianças podem frequentar as escolas das Nações Unidas, mas isso não lhes garante a possibilidade de continuar os estudos. «Vem sempre à minha mente uma jovem que concluiu com sucesso a escola superior, mas não lhe foi concedido inscrever-se em Medicina porque algumas faculdades são proibidas aos migrantes. Isto, no fim de contas, compromete o seu futuro porque limita a possibilidade de se realizarem e encontrarem um lugar na sociedade», argumenta a Ir. Expedita.

Na Kuchinate, declaram os responsáveis, as mulheres aprendem a enfrentar a situação, a construir resiliência através da arte, a fazer comunidade, a aumentar a estabilidade, a aprender competências comercializáveis e transferíveis, e a viver com dignidade. Em tempo de suspensão das atividades, a sobrevivências destas mulheres está em risco.


 

Enrico Casale
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Kuchinate | D.R.
Publicado em 05.11.2023

 

 

 
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