As leituras bíblicas da missa de hoje (Apocalipse 14,14-19; Lucas 21,5-11) focam-se no fim do mundo. O Apocalipse descreve-o como uma grande colheita, na seara e na vinha, e, em Lucas, Jesus prediz a destruição do templo e a vinda de turbulência universal. Os milenaristas e visionários apocalípticos usaram estas leituras para agitar expectativa e medo ao longo da História. Jesus diz aos seus discípulos para não serem enganados pelos falsos profetas que afirmam que esses sinais pressagiam sua segunda vinda.
Lucas redigiu o seu Evangelho depois das guerras entre judeus e romanos, da destruição de Jerusalém e do templo, quando muitas dessas palavras pareciam ter-se tornado realidade para judeus e cristãos. O Apocalipse aplica os conflitos e calamidades encontrados nos profetas Ezequiel e Daniel à perseguição da Igreja por parte do Império Romano, prevendo o triunfo final do Cordeiro de Deus sobre todas as forças do mal.
Estes textos perduram no imaginário popular porque a realidade das guerras e insurreições, terremotos, fomes e pragas continua a ocorrer. Os profetas contemporâneos acrescentam guerra nuclear, pandemias e, agora, mudanças climáticas aos perigos que literalmente ameaçam o planeta e os seus habitantes. Oferecidas no Lecionário à medida que a Igreja se aproxima do final do ano litúrgico, estas Escrituras promovem um tempo de reflexão sóbria e um sentido de responsabilidade ao fazermos o balanço de mais um ano e decidimos sermos e fazermos melhor.
Ainda assim, a esperança é o coração do Evangelho, e o Apocalipse entra no Advento, tempo de renovação em preparação para o Natal, que se inicia no próximo domingo. Esta é a resposta de Deus à loucura e ao pecado humanos. O nosso Salvador é Deus na carne, Jesus o Senhor. Ele chega não como um visitante divino, um “deus ex machina”, mas como um de nós, emergindo de dentro da longa genealogia da família humana, carregando as esperanças e sonhos, falhas e fragilidades, tensões e tentações que marcam a nossa natureza terrena.
Jesus não veio para nos resgatar como recipientes passivos, mas como parceiros plenos na redenção do nosso mundo. A sua encarnação abre o nosso ADN e o nosso destino à vida divina, restaurando a bênção original para a nossa natureza decaída, agora aperfeiçoada pela graça e capacitada pelo Espírito para transformar o mundo. O discipulado não é um desporto para espetadores, mas uma luta na primeira linha pela justiça. Os cristãos são embaixadores, a tempo inteiro, da paz e da reconciliação.