«Deus amou tanto o mundo» (João 3, 14-21), versículo central do Evangelho joanino, versículo do assombro que renasce sempre por estas palavras apetitosas como o mel, tonificantes como uma caminhada junto ao mar, entre salpicos de ondas e ar bom respirado a plenos pulmões. Palavras a saborear a cada dia e às quais nos agarrarmos com força em todas as passagens da vida, em cada queda, em cada noite, em casa desilusão.
Deus amou tanto… e a noite de Nicodemos, e as nossas noites, iluminam-se. Aqui podemos renascer. A cada dia. Renascer para a confiança, para a esperança, para a serena paz, para a vontade de amar, trabalhar e criar, renascer para a vontade de proteger e cultivar pessoas, talentos e criaturas, todo o pequeno jardim que Deus me confiou.
Não só o ser humano, mas é o mundo que é amado, a Terra é amada, e os animais e as plantas e a criação inteira. E se Ele amou a Terra, também eu a devo amar, com os seus espaços, os seus filhos, o seu verde, as suas flores. E se Ele amou o mundo e a sua beleza frágil, então também tu amarás a Criação como a ti mesmo, amá-la-ás como o teu próximo: «O meu próximo é tudo o que vive» (Gandhi).
A revelação de Jesus é esta: Deus considerou o mundo, cada ser humano, este meu nada a que no entanto deu um coração, mais importante do que Ele próprio. Para me adquirir perdeu-se a si mesmo. Loucura de amor.
Deus amou: a beleza deste verbo no passado, para indicar não uma esperança ou uma expetativa, mas uma segurança, um facto certo, e o mundo inteiro dele está impregnado: «O nosso desastre é estarmos imersos num oceano de amor e não nos damos conta» (G. Vannucci). Toda a história bíblica começa com um «és amado» e termina com um «amarás» (P. Beuchamp). Não somos cristãos porque amamos Deus. Somos cristãos porque acreditamos que Deus nos ama.
Deus não enviou o Filho para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo, para que quem acredita tenha a vida. A Deus não interessa instruir processos contra nós, nem para condenar ou equilibrar as contas, e tão-pouco para nos absolver. A vida dos amados de Deus não existe à medida do tribunal, mas à medida do florescimento e do abraço, no paradigma da plenitude.
Para que o mundo seja salvo: salvar quer dizer conservar, e nada se perderá, nem um suspiro, nem uma lágrima, nem um fio de erva; não se perderá nenhum generoso cansaço, nenhuma dolorosa paciência, nenhum gesto de cuidado por quanto seja pequeno e oculto. Se pude impedir que um coração se desfaça, não terei vivido em vão. Se puder aliviar a dor de uma vida ou aliviar uma pena, ou ajudar um pintarroxo caído a voltar ao seu ninho, não terei vivido em vão (Emily Dickinson).