Harvey Keitel, Sónia Braga, Joaquim de Almeida e Lúcia Moniz são alguns dos atores que integram o filme “Fátima”, coprodução norte-americana e portuguesa do cineasta italiano Marco Pontecorvo, que estava prevista chegar às salas de cinema em Portugal a 13 de agosto, mas que a distribuidora, a escassas horas desta data, voltou a adiar. (O texto que se segue revela algumas partes da narrativa.)
Stephanie Gil, Madalena Aragão e Sónia Braga (Lúcia), Alejandra Howard e Maria Marques (Jacinta), Jorge Lamelas (Francisco), Joana Ribeiro (Maria) também fazem parte da película de 113 minutos, juntamente com Catarina Mira, Ana Moreira, Alba Baptista, João Arrais, Dinarte Freitas, Laura Frederico, Carla Chambel, e Ivo Alexandre, entre outros.
«Naquele momento horrível – e nós também estamos a viver um momento horrível –, com a primeira guerra mundial a acontecer, com todas aquelas pessoas na pobreza, doença e tudo o mais, Lúcia conseguiu, com a sua força e as suas crenças, reunir 70 mil pessoas, ou algo como isso, para rezar pela paz», destaca o cineasta.
Do primeiro texto cinematográfico sobre Fátima que Marco Pontecorvo leu, o que mais o atraiu foi a história de Lúcia, «que tem quase toda a gente contra ela», inclusive a mãe, e é na pastorinha, falecida em 2006, que se centra o argumento assinado pelo realizador, em parceria com Valerio D’Annunzio e Barbara Nicolosi.
«É tudo real – foi extraído dos livros de memórias dela e de outros elementos. Por isso, usámos elementos reais; tentámos inventar o menos possível, para respeitar o que realmente aconteceu», explica o realizador.
«Gosto muito do triângulo entre a Virgem Maria, a mãe real (Lúcia Moniz) e Lúcia. No final, pode ver-se as duas mães finalmente juntas – é o único momento em que se vê no enquadramento a Virgem Maria e alguém que não sejam as crianças. Normalmente, são as crianças e a Virgem Maria, ou as crianças e as pessoas», acrescenta.
«Uma das coisas de que gosto é a incapacidade desta mulher de lidar com o que estava a acontecer – ainda que fosse realmente religiosa, era tão humilde que pensava que era impossível que a sua filha tivesse visto a Virgem Maria. Por isso, este arco na sua relação foi verdadeiramente importante para a história», afirma Marco.
Para as crianças, continua o realizador, o inferno seria «a guerra, as notícias que vinham da frente, a pobreza, muitas coisas. As pessoas estavam a lutar. Um ano depois, a gripe espanhola destruiu não sei quantos milhões de pessoas. Por isso, também podemos chamar inferno a isso».
«Penso que o mais perturbador para mim é a visão de que é algo semelhante a uma terceira guerra mundial, quando matam o papa, e é tudo destruído. Julgo que esta é uma das mensagens mais fortes que a Virgem trouxe», declara.
Ao misturar elementos de épocas diferentes, com acontecimentos que ocorreram e elementos da iconografia cristã, o cineasta tentou compor «um grande quadro de toda a estupidez possível da guerra».
«Porque é que tem de haver imagens negativas? A visão do inferno é negativa, mas faz parte da vida. Não se pode acreditar só em algo positivo. Acredita-se em algo positivo porque também há algo mau», sustenta.~
Contando com a interpretação do cantor Andrea Bocelli da música "Gratia plena", do compositor italiano Paolo Buonvino, o filme, que esteve previsto para ser exibido a 30 de abril, data adiada devido à pandemia, teve antestreia em Portugal em março, perante uma audiência restrita que incluiu o bispo de Leiria-Fátima, cardeal António Marto, o bispo emérito da diocese, D. Serafim Ferreira e Silva, e colaboradores do santuário da Cova da Iria.
Filho de pai cineasta, Marco, de 53 anos, foi diretor de fotografia da produção televisiva “Game of thrones” e da minissérie “Roma”, tendo-se iniciado na realização em 2008, com “Pa-Ra-Da”, baseado na história verdadeira de um palhaço e artista de rua que treinava crianças para serem artistas circenses, e assim resgatá-las da miséria.
Autor do argumento para um projeto que não chegou a concluir sobre a figura de Jesus, o pai de Pontecorvo, Gillo, foi um judeu agnóstico casado com uma católica.
«Na verdade quero lê-lo outra vez. Pode ser um possível novo projeto. Há algo de comum com Fátima: Lúcia, para mim, é também alguém que pode ver mais além e pode estar em contacto com outro nível de uma maneira que nem todos temos possibilidade», observa Marco, que foi batizado e se define como crente.