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Fazer «boa política» exige «ternura»

[A paz] é um tema que não pode faltar na formação sociopolítica, e infelizmente é também urgente por causa da situação atual. A guerra é o falhanço da política. Que isto seja sublinhado: a guerra é o falhanço da política. Alimenta-se do veneno que considera o outro como inimigo. A guerra faz-nos tocar com a mão a absurdidade da corrida aos armamentos e do seu uso para a resolução dos conflitos. Um perito dizia-me que se durante um ano não se produzissem armamentos, poder-se-ia eliminar a fome no mundo. Por isso é preciso uma política melhor, que pressupõe (…) a educação para a paz. Isto é responsabilidade de todos. Fazer a guerra, mas uma outra guerra, uma guerra interior, uma guerra sobre si próprio para trabalhar pela paz.

Hoje a política não goza de boa fama, sobretudo entre os jovens, porque veem os escândalos, tantas coisas que todos conhecemos. As causas são múltiplas, mas como não pensar na corrupção, na ineficácia, no distanciamento em relação à vida das pessoas? Precisamente por isto ainda há mais necessidade de boa política. E a diferença é feita pelas pessoas. Vemo-lo nas administrações locais: uma coisa é um autarca ou um assessor disponível, outra coisa é quem é inacessível; uma coisa é a política que escuta a realidade, que escuta os pobres, outra coisa é aquela que está fechada nos palácios, a política “destilada”.

Vem-me à mente o episódio bíblico do rei Acab e da vinha de Nabot. O rei quer apropriar-se da vinha de Nabot, para alargar o seu jardim; mas Nabot não quer e não pode vendê-la, porque aquela vinha é a herança dos seus pais. O rei enfurece-se e fica carrancudo, como uma criança mimada. Então a sua mulher, a rainha Jezabel – que é uma diabinha! – resolve o problema fazendo eliminar Nabot com uma acusação falsa. E assim Nabot é morto e o rei toma posse da sua vinha.



A política que exerce o poder como domínio, e não como serviço, não é capaz de cuidar, esmaga os pobres, explora a Terra e enfrenta os conflitos com a guerra, não sabe dialogar



Acab representa a pior política, a de levar tudo à frente e dar-se espaço expulsando os outros, aquela que persegue não o bem comum, mas interesses particulares, e usa todos os meios para os satisfazer. Acab não é pai, é chefe, o seu governo é o domínio.

Santo Ambrósio escreveu um livrinho sobre esta história bíblica, intitulado “A vinha de Nabot”. A certo ponto, dirigindo-se aos poderosos, Ambrósio escreve: «Porque expulsais quem é comparticipante dos bens da natureza e reivindicais só para vós a posse dos bens naturais? A Terra foi criada em comunhão para todos, para ricos e para pobres. (…) A natureza não sabe o que são os ricos, ela que gera todos igualmente pobres. Quando nascemos não temos roupa, não vimos ao mundo carregados de ouro e de prata. Esta Terra põe-nos no mundo nus, precisados de alimento, de vestes e de beber. A natureza (…) cria-nos todos iguais e a todos igualmente encerra no ventre de um sepulcro».

Esta pequena mas preciosa obra de Santo Ambrósio será útil para a (…) formação. A política que exerce o poder como domínio, e não como serviço, não é capaz de cuidar, esmaga os pobres, explora a Terra e enfrenta os conflitos com a guerra, não sabe dialogar.

Como exemplo bíblico positivo podemos tomar a figura de José filho de Jacob. Recordemos que ele foi vendido como escravo pelos seus irmãos, que tinham inveja dele, e foi levado para o Egito. Ali, após algumas peripécias, foi libertado, entra ao serviço do faraó e torna-se uma espécie de vice-rei. José não se comporta como chefe, mas como pai: cuida do país; quando chega a carestia, organiza as reservas de trigo para o bem comum, tanto que o faraó diz ao povo: «Fazei aquilo que [José] vos disser» (Génesis 41, 55) – a mesma frase que Maria dirá aos servos nas bodas de Caná, referindo-se a Jesus.



Esta é a regra de ouro: a tua atividade é para ocupares um espaço para ti? Não serve. Para o teu grupo? Não serve. Ocupar espaços não serve, desencadear processos serve



José, que sofreu pessoalmente a injustiça, não procura o seu interesse mas o do povo, (…) faz-se artesão da paz, tece relações capazes de inovar a sociedade. Escrevia D. Lorenzo Milani: «O problema dos outros é igual ao meu. Sairmos deles todos juntos é a política. Sairmos deles sozinhos é a avareza». É assim, é simples.

Estes dois exemplos bíblicos, um negativo, o outro positivo, ajudam-nos a compreender que espiritualidade pode alimentar a política. Recolho apenas dois aspetos: a ternura e a fecundidade.

A ternura é o amor que se faz próximo e concreto. É o caminho que percorreram os homens e as mulheres mais corajosos e fortes. No seio da atividade política, os mais pequenos, os mais frágeis, os mais pobres devem enternecer-nos: têm o “direito” de arrebatar a nossa alma e o nosso coração.

A fecundidade é feita de partilha, de um olhar de longo alcance, de diálogo, de confiança, de compreensão, de escuta, de tempo despendido, de respostas prontas e não adiadas. Significa olhar para o futuro e investir nas gerações futuras; desencadear processos em vez de ocupar espaços. Esta é a regra de ouro: a tua atividade é para ocupares um espaço para ti? Não serve. Para o teu grupo? Não serve. Ocupar espaços não serve, desencadear processos serve. O tempo é superior ao espaço.

Gostaria de concluir propondo-vos as perguntas que cada bom político deve pôr-se: «Quanto amor coloquei no meu trabalho? Em que coisa fiz progredir o povo? Que marca deixei na vida da sociedade? Que ligames reais construi? Que forças positivas libertei? Quanta paz social semeei? O que produzi no lugar que me foi confiado?

Que a vossa preocupação não seja o consenso eleitoral nem o sucesso pessoal, mas envolver as pessoas, gerar empreendedorismo, fazer florescer sonhos, fazer sentir a beleza de pertencer a uma comunidade. A participação é o bálsamo nas feridas da democracia. Convido-vos a dar o vosso contributo, a participar e a convidar os vossos coetâneos a fazê-lo, sempre com o fim e o estilo do serviço. O político é um servidor: quando o político não é um servidor, é um mau político, não é um político.


 

Papa Francisco
Vaticano, 18.3.2023
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 20.03.3023 | Atualizado em 06.10.2023

 

 
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