A poética de Fernando Echevarría é «um modo de ver, sim, uma procura espiritual. Como quando, crendo em Deus, procuramos ainda a sua face divina na sua invisibilidade agostiniana de Cristo, visível imagem do Deus invisível: “De Deo videndo”, veremos a Deus como Ele é».
Assim responde o poeta nascido a 26 de fevereiro de 1929 em Cabézon de la Sal, Santander, Espanha, a uma das perguntas colocadas por Maria Leonor Nunes na mais recente edição do “Jornal de Letras”.
Primeiro distinguido com o prémio Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes, em 2005, Echevarría, filho de mãe espanhola e pai português, veio para Portugal aos dois anos, Estudou teologia e filosofia no seminário de Astorga, fez o noviciado, mas não foi ordenado.
O seu primeiro livro de poemas, “Entre dois anjos”, foi publicado em 1956. Em 2016 reuniu a sua poesia, num novo volume de “Obra inacabada” (o primeiro foi publicado em 2007), com 1362 páginas (ed. Afrontamento).
A obra de Echevarría «pode ser vista como a busca contínua da totalidade contra o espectro da desagregação niilista. O desejo de totalidade tem, pois, como contraponto a aguda consciência da fragmentação do mundo», escreve Maria João Reynaud em texto que se segue à entrevista, e ao lado de três poemas inéditos.
Esta totalidade tem, todavia, «contornos indecisos», abre-se «ao sagrado e à infinidade do espírito», e pressente-se nas «oposições tensionais que atravessam, em prodigioso equilíbrio», a sua poesia.
Sustentada pelo «constante exercício meditativo sobre o ofício poético», a obra de Echevarría «integra o extenso diálogo que o poeta tem mantido com diversos domínios da cultura: a filosofia, a teologia, as artes – a pintura, a escultura, a arquitetura, a música, a dança –, e a própria poesia».
O senso de totalidade corresponde também «a uma ideia de Deus (ou do divino), que apaga por completo a fronteira entre o finito e o infinito, e envolve uma experiência espiritual de referência transcendente e teológica», observa a professora da Faculdade de Letras do Porto, que participa na próxima Jornada Nacional da Pastoral da Cultura, marcada para 6 de junho, em Fátima.
A poesia de Fernando Echevarría «não se deixou aprisionar por nenhum sistema de pensamento, reclamando para si mesma a liberdade de procurar continuamente o sentido profundo da vida», assinala a investigadora doutorada em Literatura Portuguesa.
«Diz S. João que “no princípio era o verbo”, eu digo no princípio há o ritmo. Ainda não há poema e há já um ritmo prévio, que vai dar o primeiro verso ou o último ou qualquer coisa, mas que é prévio ainda, porque a poesia é uma língua, como o é a música, a pintura», assinalou, em 2019, o autor, que descreveu a sua vida como algo «monacal».
«Deus nos nomeia. E somos, nesse nome,
concreto exacto a desatar-se viva
deflagração que, se exultando, tome
seu destino de força reflexiva.
Ou vinco livre que só vai por onde
o íntimo do nome o mais motiva
enquanto mais se, multiforme, esconde
a grande ausência que nomeia, esquiva.
E assim nomeados e seguros
vamos dizendo quanto somos obra
à procura dum nome no futuro
que diga a origem do nosso que soçobra.
Ou somos só relâmpago que, escuro,
mal vê na noite a sua própria dobra.»