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Francisco Perestrello (1938-2024): Uma força motriz da imprensa cinematográfica de raiz cristã em Portugal

Francisco Perestrello foi uma das figuras notáveis da OCIC (Organização Católica Internacional do Cinema) e, mais tarde, da SIGNIS (Associação Mundial Católica Mundial para a Comunicação), nomeadamente na sua secção europeia.

Juntamente com a sua mulher, Luísa, deixou uma marca indelével no meio cinematográfico internacional desde o final da década de 1960 até à primeira década do século XXI. Na década de sessenta, Portugal contava como uma já longa tradição de filiação na OCIC e na UNDA (Associação Católica Internacional para a Rádio e a Televisão), desenvolvendo uma ação católica na rádio e no cinema desde 1937, ano da publicação da encíclica Vigilanti Cura.

Com o envolvimento do Francisco, a Ação Católica Portuguesa no cinema e a sua publicação, o Boletim Cinematográfico - a mais pequena, mas mais apreciada revista de cinema do mundo lusófono -, tornam-se novamente parte integrante da OCIC, especialmente na Europa. Sempre acompanhado da Luísa, participam em numerosos congressos mundiais da OCIC entre 1970 e 2009, destacando-se nas reuniões da OCIC-Europa. Francisco ganha um respeito generalizado como membro de júris católicos internacionais (júris OCIC), com presença nos mais prestigiados festivais internacionais e atribuição de prémio próprio, exercendo frequentemente uma influência significativa na seleção dos vencedores. Proficiente em inglês, francês e espanhol, possui uma vasta cultura geral e um profundo conhecimento da cultura cinematográfica em particular, demonstrando uma empatia e sensibilidade notáveis relativamente à sétima arte, não obstante afirmar sempre a sua formação académica de engenheiro com destacada carreira profissional na multinacional Xerox.



Francisco Perestrello simbolizou a essência da Ação Católica no Cinema: cultivando um jornalismo católico ativo, aceite e respeitado na comunidade cinematográfica nacional. Para ele, o importante não era promover um cinema católico militante ou catequético, mas sim a elevação dos valores humanos enraizados em princípios cristãos



Em 1967, Francisco integra pela primeira vez um júri no Festival de Cinema de San Sebastian. Para grande surpresa das Conferências Episcopais de Portugal e Espanha, e da organização do festival, o júri OCIC atribui o seu prémio a Jovita, filme de Janusz Morgenstern produzido na Polónia comunista. Uma escolha algo profética e uma subtil afirmação da persistência dos valores cristãos do outro lado da cortina de ferro, como símbolo da resistência cultural ao regime comunista.

Francisco regressará nove vezes a San Sebastian nas duas décadas seguintes.

No congresso da OCIC-Europa de 1988, Francisco desempenha um papel-chave na revitalização da organização, algo esmorecida nos anos anteriores.

Enérgica e rapidamente organiza o primeiro Fórum Mundial de Vídeo Educativo de Lisboa (1), que se realiza em Outubro desse mesmo ano, com o apoio do Governo português e da Câmara Municipal. Para além deste, empenha-se na integração de um júri OCIC no então emergente Festroia – Festival Internacional de Cinema de Troia, em Setúbal. Um passo e um laço notáveis, reveladores da visão e abertura de espírito de ambos os protagonistas, dado o presidente do festival, Mário Ventura, não ser católico nem ter ligação ou particular afinidade com a Igreja. Não obstante, é a constatação da mais-valia que a OCIC representa para o festival, pela natureza puramente cristã dos valores que o prémio enaltece e incentiva na produção cinematográfica, e pela abertura com que reforça a presença de filmes de qualidade de países longevos sem acesso ao circuito comercial, que convencem Ventura a abrir a porta à Organização.



Combinando a paixão pelo cinema, a crescente missão de estreitar laços entre a Igreja e o mundo da sétima arte e o know-how profissional no setor da tecnologia da informação e documentação, Perestrello cria e dirige o CINEDOC – Centro de Documentação Cinematográfica e Audiovisual



O empenho de Francisco Perestrello produz um significativo impacto nas relações entre a Igreja e o meio não crente local: no contexto do festival, promove encontros anuais entre D. Manuel Martins, bispo de Setúbal, e Mário Ventura, forjando uma amizade entre ambos. D. Manuel virá a convencer Ventura a deslocar o festival de Troia para Setúbal como parte integrante da política cultural da cidade.

Combinando a paixão pelo cinema, a crescente missão de estreitar laços entre a Igreja e o mundo da sétima arte e o know-how profissional no setor da tecnologia da informação e documentação, Perestrello cria e dirige o CINEDOC – Centro de Documentação Cinematográfica e Audiovisual, focado em quatro áreas essenciais: 1. A preservação e contínuo enriquecimento do vastíssimo arquivo documental cinematográfico pessoal, a que se acrescenta o arquivo do Boletim Cinematográfico; 2. A criação e carregamento permanente de uma base de dados pioneira, até hoje única no país, com registo do percurso de todos os filmes que correram em Portugal, desde os primeiros tempos; 3. O acompanhamento da atualidade cinematográfica com a redação e publicação de crítica própria (Cinedocfilme), fornecimento de informação e criação de conteúdos para múltiplos média e festivais; 4. A representação oficial da OCIC, mais tarde integrada na SIGNIS, em Portugal, com presença constante em júris de festivais nacionais e internacionais por todo o mundo.

Com o Festroia, a OCIC, agora representada pela vitalidade do CINEDOC, intensifica a colaboração como consultora de programação.

Francisco Perestrello simbolizou a essência da Ação Católica no Cinema: cultivando um jornalismo católico ativo, aceite e respeitado na comunidade cinematográfica nacional.

Para ele, o importante não era promover um cinema católico militante ou catequético, mas sim a elevação dos valores humanos enraizados em princípios cristãos. E a presença nos festivais, como o Festroia, viria a constituir um precioso campo de treino para jovens jurados da OCIC.



De múltiplas formas, Francisco Perestrello deixa um legado intemporal, tendo sido uma inspiração para inúmeros jovens críticos de cinema



Fruto do excelente relacionamento entre ambos os protagonistas, a OCIC organiza o primeiro Encontro de Jovens Críticos Católicos em Setúbal, contando com mais de 40 participantes, metade dos quais provenientes do Leste da Europa. Isto no início da década de noventa.

Fr. Ambros Eichenberger, presidente da OCIC, enalteceu Francisco pela orquestração do mais bem-sucedido encontro de cinema que alguma vez testemunhara, sublinhando que tal teria sido impossível sem o seu papel e sem o suporte financeiro do festival.

Entre 1988 e 2015, tive o privilégio da companhia do Francisco, anualmente, em Lisboa e em Setúbal, onde convivíamos diariamente ao longo de uma semana. No princípio, as nossas conversas centravam-se na importância capital da base de dados que estava a construir com a equipa do CINEDOC, ainda o IMDB (International Movie Data Base) não existia. O Francisco reforçava o atento registo e arquivo de publicações de cinema dos membros da OCIC, sobretudo europeus, na base de dados. Fez a revisão e deu importantes contributos de conteúdo para grande parte do livro de escrevi em 2011 sobre Cinema Moçambicano.

Num olhar retrospetivo, o Francisco foi uma força discreta, mas motriz, nos mais de quarenta anos de existência da OCIC Mundial, da OCIC-Europa e, adiante, da SIGNIS (que congregaria as associações de Cinema, Rádio e Televisão), ultrapassando todos os obstáculos para garantir a presença de um jornalismo cinematográfico católico profissional no mundo da imprensa cinematográfica em geral. Mundo este em que os organismos oficiais da Igreja voltam hoje a estar praticamente ausentes.

De múltiplas formas, Francisco Perestrello deixa um legado intemporal, tendo sido uma inspiração para inúmeros jovens críticos de cinema, como eu.



(1) Sobre o Fórum Mundial de Vídeo Educativo de Lisboa recebemos de Carlos Capucho, em 29.2.2024, a seguinte nota:

«1 - Por vontade da entidade responsável (ao tempo OCIC) o encargo da organização do Fórum foi entregue exclusivamente à entidade LOGOMEDIA- Centro de Produção Audiovisual, entidade da Federação dos Institutos Religiosos. O interesse de Ocic nascia do conhecimento pessoal próximo com os dois formadores/realizadores da instituição, eu próprio e Manuel Vilas Boas, antigos pós-graduados da Universidade Católica de Lyon, protocolada com o Centre Recherche et Communication, também de Lyon, ligado, por sua vez, a Ocic. Assim, a concepção e organização fundamental recaiu, no dia-a-dia, sobre os ombros de Capucho/Vilas Boas que, de resto, para efeito dos necessários desenvolvimentos, sempre deram a cara aos media interessados no evento. Acrescente-se, que o delegado de Ocic para o evento, se deslocou-se inúmeras vezes a Lisboa, durante um ano, para reunir em Logomedia, comigo e com Vilas Boas.
2- A organização do Fórum foi francamente apoiada pela Direcção de Logomedia e, na prática quotidiana, pelo, ao tempo, P. Vitalino Dantas, hoje bispo emérito de Beja. Dado conhecimento ao Patriarcado da iniciativa de Ocic, sempre o Sr. Patriarca António Ribeiro manifestou o seu interesse e apoio, tendo presidido à sessão inaugural.
3 - O Secretariado do Cinema e da Rádio não esteve na organização mas colaborou, óbvia e generosamente, em tudo o que foi necessário e pedido pelos responsáveis do evento em Logomedia.
4 - O evento nunca teve o apoio do governo português. A única entidade que o apoiou de forma total - em meios, pessoal, espaços e logística - foi a Portugal-Telecom através do seu Fórum Picoas e de um dos seus directores.
5 - Dada a importância do acontecimento convidei pessoalmente para a Mesa inaugural, um secretário de estado do Ministério da Educação que, à última hora não veio, delegando no orador principal, por mim também convidado: o Reitor da Universidade Aberta (de quem fui aluno de Mestrado), o Prof. Rocha Trindade.»


 

Guido Convents
Historiador e antropólogo, diretor de Comunicação e coordenador do Secretariado de Cinema da SIGNIS (reformado)
Trad.: Margarida Avillez Ataíde
Imagem: Franscisco Perestrello | Facebook
Publicado em 29.02.2024 | Atualizado com nota de Carlos Capucho em 01.03.2024

 

 
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