«É uma pena se, para lá do círculo da família dominicana, ficar por assinalar a partida dessa notável figura que foi, no Portugal contemporâneo, frei Mateus Peres, O.P.»: é com estas palavras que o cardeal Tolentino Mendonça evoca hoje o religioso português falecido, aos 87 anos, na segunda-feira.
Na crónica semanal que assina na revista do “Expresso”, o bibliotecário e arquivista da Santa Sé lembra que o Fr. Mateus Peres integrou «uma geração de intelectuais que, nos anos 50 e 60, viveu o catolicismo de uma forma apaixonada», e que «trabalhou sobretudo para dotar de cidadania cultural uma fé que tradicionalmente parecia não ter expressão pública fora das manifestações de piedade».
Mateus Peres «foi toda a vida um sereno tecedor de mediações; um construtor de sínteses», como perpassa na «singularidade» da sua vida, na qual se distinguiu como «instigador teólogo moral», professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica.
Foi o provincial dos dominicanos em Portugal e, depois, assistente do mestre-geral, «com a responsabilidade de cuidar da vida intelectual, numa ordem que, há oitocentos anos, vive como sua missão específica associar a pregação a um aturado estudo», e é nessa esteira que nas suas homilias «razão e fé travavam um fértil diálogo».
«Muitos recordarão a figura de frei Mateus Peres por outras razões. A mim, confesso, o seu legado foi a gentileza. Ele mostrou-me o que significa ser sempre gentil; como se pode e deve defender um quinhão de alegria no meio das turbulências; o valor dessa pureza de coração que se traduz em hospitalidade incondicional à vida e em prática fraterna efetiva», assinala D. Tolentino Mendonça.
O Fr. Bento Domingues lembra que Mateus Peres participou na criação, em 1956, do Centro Cultural de Cinema – Cineclube de Universitários para uma Cultura Cinematográfica Cristã, e colaborou em “O tempo e o modo – Revista de pensamento e ação”, «importante espaço de diálogo e confronto de diferentes sensibilidades culturais, políticas e religiosas».
«Fez parte da primeira direção internacional da famosa revista teológica “Concilium”, e pertenceu à equipa que, no contexto das atividades dessa publicação, lançou os “Colóquios para Assinantes”, «destinados sobretudo a equacionar as questões da Igreja portuguesa à luz de um Concílio por ela praticamente ignorado», anota o teólogo dominicano na sua página semanal no “Público” de 26 de julho.
Devido às tarefas que lhe foram confiadas na Ordem dos Pregadores, viveu em várias comunidades em Portugal e no estrangeiro, foi presidente da Confederação Nacional dos Institutos Religiosos masculinos, e acompanhou o mosteiro das Monjas do Lumiar, «onde se desenvolveram as célebres “Conferências do Lumiar”, onde muitas vezes se encontrou com Tolentino Mendonça, quer durante as sessões, quer nas missas que nele eram celebradas.