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Há tempos assim

Há dias assim. A novidade absoluta bate à nossa porta com tanta persistência que não podemos fingir não estar em casa. Estremecemos como se ainda fôssemos a criança distraída na sala de aulas quando ouvimos, de súbito, o nosso nome repetido em tons agudos. Alguns dizem, resignados, «é o destino». «É assim que o destino bate à nossa porta», respondeu L. Beethoven quando lhe perguntaram pela origem do motivo dominante no primeiro andamento da grande sinfonia, a quinta, a «Sinfonia do destino». É inevitável. Uma e outra vez, o tema anda às voltas nos diferentes naipes, com variações subtis, como se fosse uma forte rajada de vento, incontrolável, como se o homem se tornasse, por força das circunstâncias, vítima de acontecimentos nunca imaginados e toda a resistência oferecida servisse apenas para agravar a situação. «Não, não pode ser verdade!», reagimos. Podemos até negar a realidade por algum tempo, mas ela entranha-se até que nos interrogamos. «Que fazer agora?».

Há dias assim. Por vezes meses, anos até. São inevitáveis. Talvez Deus fale a partir do olho do furacão. Talvez nos desperte para uma missão cujos contornos e finalidade são desconhecidos para o comum dos mortais, mas nós, a certa altura, vislumbramos como se fosse a tal luz ao fundo do túnel. Momentos luminosos. «Samuel, Samuel»… E o nosso nome é repetido uma, duas, dez vezes… «O que procuras? Não sabes que estou contigo?» - ouve-se de novo. Percebemos então que, se a chave para uma vida feliz e com sentido é o amor, somos também chamados a amar, mesmo nas circunstâncias mais adversas. Só a ausência do amor torna a existência impossível. Afetivamente disponíveis, podemos também repetir a antiga súplica: «Fala, Senhor, que o teu servo escuta», que equivale à pergunta dos candidatos a discípulos «onde moras?». Ambas são uma manifestação de interesse em conhecer a vontade daquele que nos pode segurar pela mão numa fase de maior turbulência. «Fala, Senhor, guia-me, fortalece-me…».

Há tempos assim. São tempos de rápido amadurecimento. O testemunho de um dos maiores ícones da história da Igreja do século XX, a Madre Teresa de Calcutá, pode servir de referência e estimulo para as nossas batalhas. Atribulada pelo que sentia ser a ausência de Deus, mergulhada num mar de dúvidas, nunca deixou de obedecer à voz do chamamento primeiro que a desafiara a matar a sede dos pobres. «Se eu alguma vez vier a ser Santa», disse um dia, «serei certamente uma Santa da “escuridão”. Estarei continuamente ausente do Céu, para acender a luz daqueles que se encontram na escuridão na Terra». Esta pode ser também a nossa missão e o nosso destino… porque há tempos assim.



 

P. Nélio Pita, CM
Publicado em 12.01.2018 | Atualizado em 10.10.2023

 

 
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