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«Herberto Helder é imortal com a sua obra»

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«Herberto Helder é imortal com a sua obra»

José Tolentino Mendonça declarou hoje que o poeta madeirense Herberto Helder, falecido na segunda-feira aos 84 anos, a quem dedicou o «primeiro poema», é «imortal com a sua obra».

«Quando morre um poeta com a dimensão de Herberto Helder o que sentimos é que não apenas morreu um poeta mas a poesia», assinalou o poeta e sacerdote, também nascido na Ilha da Madeira, em depoimento recolhido pelo jornal "Público".

O vice-reitor da Universidade Católica, que falou de um «luto insuportável», está convicto de que dentro de «mil anos, se subsistir um falante de língua portuguesa a poesia de Herberto Helder subsistirá».

Tolentino Mendonça salientou que ler Herberto Helder na Madeira «tem uma ressonância e uma vitalidade que não se esquece», até porque, «muito anos» depois de o poeta ter saído do arquipélago, continuava com a pronúncia de um habitante do Funchal», onde nasceu, o que era «uma nota afetiva de grande impacto».

A circunstância de ambos terem nascido na mesma ilha - Tolentino Mendonça é de Machico - «era um vínculo forte para um adolescente que começava também na poesia a procurar razões para a própria vida» - «E essa descoberta foi a primeira viagem», acrescentou.

Em entrevista à Agência Ecclesia, Tolentino Mendonça frisou que a palavra de Herberto Helder «nada tem da ruidosa sonoridade do tempo», emergindo antes dos subterrâneos, porque ele é «como o poeta mineiro que com uma luz na testa escava as profundidades mais recônditas do silêncio, do coração».

No depoimento gravado pela Renascença, o biblista disse que «o vazio» deixado por Herberto Helder «é enorme e assustador, só preenchido por uma obra radiosa que permanecerá por muitos séculos».

«Acredito que os vindouros continuarão a ler com o mesmo entusiasmo, com a mesma paixão, a descobrir o mundo, a tatear um segredo, um mistério da vida pelas palavras e pelos versos de Herberto Helder», apontou.

Com a morte, Herberto Helder, que qualificou de «grande documento humano», ensina «o que é a imortalidade da língua, do pensamento, da literatura».

Em entrevista apresentada em 2012 no "Público", Tolentino Mendonça explicou que "A infância de Herberto Helder" constituiu o seu poema inaugural: «Foi no tempo em que li "Photomaton & Vox", o livro que me tocou mais fundo».

«No princípio era a ilha
embora se diga
o Espírito de Deus
abraçava as águas

Nesse tempo
estendia-me na terra
para olhar as estrelas
e não pensava
que esses corpos de fogo
pudessem ser perigosos

Nesse tempo
marcava a latitude das estrelas
ordenando berlindes
sobre a erva

Não sabia que todo o poema
é um tumulto
que pode abalar
a ordem do universo agora
acredito

Eu era quase um anjo
e escrevia relatórios
precisos
acerca do silêncio

Nesse tempo
ainda era possível
encontrar Deus
pelos baldios

Isso foi antes
de aprender a álgebra» ("A infância de Herberto Helder)

Este poema, prosseguiu Tolentino Mendonça, «fala de coisas que fazia na infância»: «Deitar-me na terra para olhar as estrelas. Ordenar berlindes sobre a erva. Andar pelos baldios. Essa dimensão dos espaços», apontou.

«Na infância dos outros, na efabulação dessa vida que julgamos existir nos outros, tocamos a verdade da nossa vida. Esse poema é sobre a minha infância. Uma infância que podia ter sido a de Herberto Helder. Também no contexto insular. A dele, a vida numa pequena cidade, o Funchal», referiu.

A revelação de Herberto Helder aconteceu aos 16 anos: «Foi uma grande descoberta. Foi como se pudesse ouvir a música do mundo. Sentir que todas as coisas estavam vivas. Um lado orgânico do real. E aqueles advérbios que nele dão mais do que qualquer adjetivo».

«Aos 16 anos não sabia nada. Só sabia que amava o Herberto Helder», realçou Tolentino Mendonça.




 

Edição de texto: Rui Jorge Martins
Publicado em 24.03.2015 | Atualizado em 24.04.2023

 

 

 
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Acredito que os vindouros continuarão a ler com o mesmo entusiasmo, com a mesma paixão, a descobrir o mundo, a tatear um segredo, um mistério da vida pelas palavras e pelos versos de Herberto Helder
Na infância dos outros, na efabulação dessa vida que julgamos existir nos outros, tocamos a verdade da nossa vida
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