Há um texto dos Atos dos Apóstolos que nunca se lê na missa. A minha hipótese é que aqueles que escolheram as leituras eram padres e omitiram-no como ato de clemência para com os colegas, para lhes evitar um dia de escárnio por parte dos fiéis.
Antes do belíssimo discurso de Paulo aos presbíteros de Éfeso, narra-se do apóstolo que com uma pregação estende ao comprido um rapaz de nome Eutico. Não é uma metáfora! No capítulo 20 lê-se que Paulo se demora a falar durante a celebração, e um rapaz adormece; por estar sentado à janela, cai e morre. O que mais me admira é que Paulo o ressuscita e depois continua a pregar até ao amanhecer. Ou seja… como se nada fosse.
Se o santo padre ler esta edição, permito-me submeter à sua atenção a possibilidade de fazer de Eutico o santo padroeiro dos estudantes ou dos fiéis na missa, talvez com o título de mártir! Um meu companheiro de seminário foi apelidado de Eutico pela sua conhecida tendência para cair em catalepsia durante as aulas de teologia. Espero que não leia o “Osservatore Romano”, caso contrário acabo de perder um amigo.
Para mim é um texto consolador: «Se Paulo adormeceu uma pessoa, quem sou eu para ser menos que ele?». Todavia, a seguir chegaram-me alguns pensamentos. A Paulo não lhe falta autoestima; eu morreria de embaraço, enquanto ele continua a falar até ao nascer do sol! Quando prego, observo atentamente as faces dos fiéis, e ao terceiro bocejo de que me dou conta tendo a cortar cerce, com um sentido de frustração por uma homilia que, a meu ver, não correu bem.
Mas qual é o parâmetro de juízo para uma homilia boa e uma homilia que não o é? Ocorre-me pensar que uma homilia não é boa se somente agradar. Paulo continuou porque considerou que aquilo de que fala é confiável, para além de ser ou não agradável.
Também me dou conta que não fácil cindir o meu ser pregador da palavra que digo. Fico aborrecido se alguém boceja porque sinto que, implicitamente, me está a dizer: «Não és grande coisa».
Não é remoto o risco de tornar o ambão um palco teatral, e a Palavra de Deus um argumento como outros para fazer um exercício de retórica. Interpreto Paulo: talvez não se tenha sentido ferido por um fiel que adormece porque era capaz de se entender ao serviço da Palavra.
Há três ou quatro homilias que escutei e que conservo como tesouros preciosos: não eram belíssimas, mas eram luzeiros, para que a Palavra pudesse resplandecer.
Pergunto-me, então: o problema é não adormecer ou ser fiel à Palavra? Não adormecer no fim não é difícil; uma frase no ponto certo, uma anedota dita no momento oportuno. Apostar tudo no poder da Palavra é mais exigente, porque requer que o Evangelho te corra nas veias e te tenha revolvido as entranhas. Não só é necessária uma boa preparação, mas um contínuo exercício de conversão.
Depois, haverá sempre algum Eutico, mas a Palavra é tão poderosa que também a ele lhe dá misteriosamente vida.