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Igreja em saída

Podia ter-se tornado um slogan como tantos, uma chave para abrir alguma porta importante. “Igreja em saída”: palavras a incluir nas homilias e nas conferências para fazer o gosto ao papa, ao bispo ou ao pároco. Houve quem tivesse tentado, mas fracassou; outros tentaram até ridicularizá-las, mas também esses fracassaram, sufocados por uma falsa tradição que se transformou numa prisão que tem como grilhões o não-sentido das formas vazias e a ausência de adesão ao real.

Nestes dez anos, pelo contrário, estas palavras tornaram-se a resposta mais bela àquelas que lemos na parábola do bom samaritano: «Passou ao largo». Não queremos ser uma tribo confinada numa reserva. É chegado o momento de abater a fronteira.

O chamamento do papa Francisco a sair é, direi, antes de tudo espiritual; sair, com efeito, não é um método nem somente uma necessidade histórica; sair é antes de tudo uma vocação, que de Abraão em diante caracteriza a voz do Espírito que nos envia rumo às surpresas do seu amor.

O diabo, com a sua astúcia, quer convencer-nos de que não somos capazes e que a nossa fragilidade é um obstáculo. Antes, é precisamente a nossa fragilidade o nosso ponto de força, porque toda a ação missionária nasce de uma fragilidade aceite. Nós, com a força do Espírito, desejamos oferecer um olhar contemplativo que acompanha cada pobreza, que o olhar tecnocrático e de poder produziu.



Se há uma comunidade que vive totalmente fechada em intensa vida espiritual, num bairro onde há desempregados, sem cassa, sem pátria, que comunidade é esta nos factos? O centro de uma comunidade que tem as medidas do coração de Deus não é dentro, mas fora



Igreja em saída significa estar próximo da dor do mundo inteiro; não temos de dizer palavras que vencem, mas que salvam: «Vós que o haveis intuído pela graça, continuai o caminho, derramai a vossa alegria, continuai a dizer que a esperança não tem fronteiras» (David Maria Turoldo).

Se nos perguntamos como é possível hoje uma obra de evangelização na qual ninguém seja excluído, e os mais frágeis sejam finalmente libertados das injustiças que sofrem, nós só podemos ser semeadores no vasto campo do mundo, onde sagrado e profano convivem e aprendem a conhecer-se melhor e a respeitar-se no comum destino de filhos amados pelo Pai.

Nós não vivemos em dois espaços separados: um, onde há odor a incenso, outro onde há pó e sangue. A nossa única casa é a cidade do ser humano, que porém é uma cidade real, não abstrata, onde renovação e atualização são necessárias para tornar a vida verdadeiramente à medida de cada pessoa. Os espaços desta cidade não devem ser excessivamente ordenados, porque muitas são as vítimas dos nossos equilíbrios. Devemos, cada vez mais e melhor, entrar nas contradições deste tempo sem medo de sermos contagiados por sabe-se lá que doença.

O horizonte do nosso caminho é o bem do ser humano imagem e semelhança de Deus. A Igreja não existe em função de si mesma, mas para levar Cristo ao mundo, para anunciar o Evangelho às gentes. Não se trata de fazer coisas novas, mas passar de um modo de ver e viver a fé como a expressão de um cristianismo consolidado, socialmente reconhecido, para entrar como pequeno rebanho dentro da vida das pessoas.



Abrir antes de tudo os nossos corações, e depois as nossas paróquias, as nossas universidades, sem a ansiedade do medo, o temor da derrota, de quem finge não saber que entrincheirar-se no legalismo é mais fácil do que aceitar o desafio do Evangelho – amar até ao fim



Sair ao encontro do ser humano é exigente, cansativo, em particular quando toca as feridas profundas e por vezes parece que passa de urgência a urgência, mas o Senhor dá sempre a sua luz.

A indicação da Palavra de Deus é precisa: «Amai não em palavras mas nos factos». Se, por exemplo, há uma comunidade que vive totalmente fechada em intensa vida espiritual, num bairro onde há desempregados, sem cassa, sem pátria, que comunidade é esta nos factos? O centro de uma comunidade que tem as medidas do coração de Deus não é dentro, mas fora, onde há sofrimento, espera, necessidade, tribulação.

A Palavra de Deus é precisamente o instrumento a trazer sempre connosco; o papa repetiu-o muitas vezes nestes dez anos. A mim parece-me sempre instrutiva a experiência de Paulo; no início do seu caminho de fé há a ação de Deus que entra de maneira fortíssima com a sua Palavra; Paulo aprofunda esta realidade e sente que a Palavra que depois pregará durante toda a vida é o coração da sua missão.

No fundo porque é que Paulo se converteu a Cristo? O que aconteceu de tão forte na sua vida? Paulo sentiu-se amado; na raiz da sua mudança sentiu-se escolhido porque amado, como ele próprio narra neste dulcíssimo texto: «Quando aprouve a Deus - que me escolheu desde o seio de minha mãe e me chamou pela sua graça - revelar o seu Filho em mim, para que o anuncie como Evangelho entre os gentios […]» (Gálatas 1, 15)

Nestes dez anos aprendemos que nas palavras, nos gestos, nas opções de vida pessoal do papa Francisco há um amor interior, de que ele se sente testemunha, que o impele, até ao limite das forças, a anunciar o Evangelho de Jesus. Diria dez anos de Evangelho. Voltar a colocar a Igreja e o mundo de novo diante do Evangelho; é uma verdade simples, também incómoda, mas partilhada pelo povo de Deus e acolhida com respeito igualmente pelas outras religiões e por muitos não-crentes.

Abrir antes de tudo os nossos corações, e depois as nossas paróquias, as nossas universidades, sem a ansiedade do medo, o temor da derrota, de quem finge não saber que entrincheirar-se no legalismo é mais fácil do que aceitar o desafio do Evangelho – amar até ao fim. Na expetativa de O poder encontrar.


 

P. Francesco Pesce
Pároco em Roma, responsável pelo Serviço Pastoral Social e do Trabalho da diocese de Roma
In L’Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Mbruxelle/Bigstock.com
Publicado em 09.10.2023

 

 
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