Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura
Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura - Logótipo
secretariado nacional da
pastoral da cultura

Igreja tem de denunciar ideologia que expulsa arte e cidadania da educação escolar

Igreja tem de denunciar ideologia que expulsa arte e cidadania da educação escolar

Imagem bibiphoto/Bigstock.com

É «perverso», «merece atenção e denúncia» a «ideologia que se está a querer pôr na escola privada e pública de que a verdadeira educação é ensinar as disciplinas duras», como ciência, tecnologia, inglês e matemática, considera Manuel Pinto, professor catedrático da Universidade do Minho.

Como resultado, «há políticas públicas que procuram escorraçar do centro do ato educativo as dimensões das expressões das artes, da música, da dança», entre outras, bem como «outras componentes da educação que não são necessariamente aulas, e que são campo de expressão dos jovens, em tempos mais livres e menos formatados».

«Mas mais grave do que isto é que os próprios pais estão já marcados por esta ideologia e estão a fazer pressão sobre professores para não darem espaço e não valorizarem esse tipo de coisas», declarou o investigador na 13.ª Jornada Nacional da Pastoral da Cultura, que este sábado debateu, em Fátima, o tema "'Out of the box': A relação dos jovens com a Cultura".

O docente do Departamento das Ciências da Comunicação testemunhou que tem estado envolvido em projetos de investigação «em que os alunos são proibidos pelos pais de participar neles porque são coisas ligadas à cidadania, são perdas de tempo que não contam quando se trata de preparar os exames e obter resultados».



«Esta teoria do défice erigida como estratégia única de educação, aproximação e diálogo é mortal» porque «os jovens não são parvos, nem as crianças»: «Percebem perfeitamente que não queremos fazer um caminho com elas, mas queremos impor-lhes alguma coisa. Isto é mortal na cultura em que vivemos»



«Acho que isto, do ponto de vista cultural e da formação humana merece a nossa denúncia. Acho que a Igreja não se pode calar diante deste tipo de situações. Isto é inadmissível, é criminoso porque, de alguma forma, trunca uma verdadeira experiência humana que deve ser toda a educação», frisou.

Manuel Pinto mostrou-se convicto de que «todas as instituições» criadas pela sociedade para educar as crianças «olham-nas sempre pela chamada teoria do défice: aquilo que elas ainda não tem; e o mesmo com os jovens, aquilo que ainda não são, e não olham suficientemente para aquilo que já são».

«Esta teoria do défice erigida como estratégia única de educação, aproximação e diálogo é mortal» porque «os jovens não são parvos, nem as crianças»: «Percebem perfeitamente que não queremos fazer um caminho com elas, mas queremos impor-lhes alguma coisa. Isto é mortal na cultura em que vivemos».

O mesmo raciocínio se aplica à Igreja: «Quando queremos passar unidirecionalmente uma mensagem, não queremos escutar como é que Jesus se nos diz e fala a partir das situações da vida, é mortal», acrescentou.



«Acho que a nossa escola, e também nós, educadores, estamos pouco preparados para olhar a essa diversidade e podermos acompanhar pessoas que são, de facto, diferentes»



Na intervenção, que pode ser vista integralmente no vídeo após este texto, Manuel Pinto acentuou a importância de olhar «para as pessoas que estão por trás dos estatutos», desde os filhos, do ponto de vista dos pais, aos alunos, por parte dos professores: «escutá-las, conhecê-las, dar-lhes espaço».

«Perguntavam-me hoje, para uma televisão, o que é que eu achava que umas jornadas como estas deviam dizer aos jovens. E a minha resposta foi, textualmente: Deviam dizer aos jovens que estamos profundamente empenhados em os ouvir», assinalou.

A metodologia do «ver, julgar e agir» da Ação Católica e da Juventude Escolar Católica (JEC), que o professor catedrático integrou, foi «uma verdadeira escola» por ter suscitado «atenção ao que fazia com os amigos e colegas, aos sítios por onde andava».

«O que é que se estava a passar lá, como é que é que eu estava lá com as pessoas, o que é que se podia fazer para melhorar o que estava lá. Esse exercício foi para mim absolutamente fundamental», explicou.

Passaram décadas, mas para Manuel Pinto aquela metodologia mantém-se «crucial»: «Sem olharmos para a realidade, a factualidade, sem a valorizarmos, não somos capazes de nos posicionar, de termos um referencial».



«Não embarquemos nos discursos que pretendem reduzir tudo ao digital». «Tocar», «olhar face a face», «não há nada que substitua isto»



«Uma das coisas que mais me tem surpreendido com os meus alunos é aprender a não falar de jovens. Acho que não há jovens, não há juventude; há uma diversidade incrível. É evidente que há aspetos comuns, transversais, caracterizadores de uma geração. Mas eles aparecem-nos com tantas desigualdades de recursos, de capacidades, de experiências, que eu acho que a nossa escola, e também nós, educadores, estamos pouco preparados para olhar a essa diversidade e podermos acompanhar pessoas que são, de facto, diferentes», apontou.

Há uma década, o «fosso digital» estabelecia-se entre os jovens que tinham acesso aos meios eletrónicos de entretenimento e informação e os que não tinham; hoje, essa separação existe entre quem consegue tirar partido desses recursos para «abrir a sua vida» a «novos horizontes» e aqueles que, apesar de estarem imersos nesse ambiente, são incapazes de o aproveitar.

Referindo-se às redes sociais, Manuel Pinto afirmou que o denominado "mundo virtual" é «real», constituindo «uma experiência de vida e socialização», de nada adiantando hipervalorizar os riscos desse universo (que existem), devendo-se antes salientar as «muitas possibilidades» que oferecem para «aprender a viver melhor uns com os outros».

Ainda assim, um alerta: «Não embarquemos nos discursos que pretendem reduzir tudo ao digital». «Tocar», «olhar face a face», «não há nada que substitua isto». É a «globalidade da experiência humana» que deve ser refletida na educação.









 

SNPC
Publicado em 10.10.2023

 

 
Relacionados
Destaque
Pastoral da Cultura
Vemos, ouvimos e lemos
Perspetivas
Papa Francisco
Impressão digital
Paisagens
Prémio Árvore da Vida
Vídeos