A fundação do Vaticano dedicada a João Paulo I, em parceria com a editora da Santa Sé, inaugura um coleção de volumes para aprofundar um ensinamento com frequência negligenciado pela historiografia, e a biógrafa Stefania Falasca considera que os dados investigados nos arquivos abrem uma «luz definitiva» sobre o epílogo da vida do pontífice.
Instituída a 17 de fevereiro de 2020, por determinação do papa Francisco, a fundação visa promover, a nível científico, estudos e investigações sobre a figura, obra e pensamento de Albino Luciani (1912-1978), e é no âmbito desta missão que vão ser lançados, em italiano, os dois primeiros volumes da coleção: “João Paulo I – Biografia “ex documentis” e “Papa Luciani – Crónica de uma morte”.
O número inicial, com cerca de mil páginas, constitui a «primeira biografia oficial de João Paulo» baseada na recolha de todo o material documental e processual adquirido no contexto da causa de canonização de João Paulo I, explica Stefania Falasca, vice-presidente da fundação, vice-postuladora da causa de canonização e coautora do volume.
O segundo volume é a reedição do livro que pretende percorrer as últimas horas de vida do papa, a partir de documentação adquirida e de fontes orais disponíveis, trabalhada de acordo com critérios histórico-críticos, através da comparação de documentos e de provas testemunhais.
Trata-se de uma pesquisa que, «a partir dos documentos, faz luz definitiva sobre o epílogo da vida do papa Luciani, acontecimento que ao longo de quarenta anos foi objeto de leituras e deturpações negras que não têm qualquer fundamento», sustenta a historiadora.
O livro contém os dados relevantes contemporâneos à morte: documentação clínica, anamnese sobre a saúde do papa, incluindo os relatórios dos médicos que redigiram as suas perícias sobre a causa da morte, e os relatórios dos académicos do Instituto de Medicina Legal da Universidade La Sapienza Roma, que intervieram para a conservação do corpo.
«Na medicina legal, por morte imprevista, entende-se sempre morte natural. A verdade nua e crua é que a causa do falecimento de Luciani foi um enfarte», e dos relatórios conclui-se «claramente que na noite anterior à morte, o papa teve sinais que não foram tomados em consideração pelo próprio, e que conduziram àquele desfecho», declara Stefania Falasca.
A ausência da autópsia, que suscitou reconstruções privadas de fundamento científico, deve-se ao facto de «até 1983 não haver uma lei que permitisse efetuar autópsias no Vaticano. Além disso, os médicos não tiveram qualquer dúvida sobre as causas da morte, e portanto não havia suspeitas para poder requerer um confronto na mesa da autópsia», assinala.
As narrativas construídas em torno da morte de João Paulo I ofuscaram a sua figura, pelo que ainda não se conhece a fundo o seu ensinamento e pensamento, que apresenta muitos elementos de premente atualidade.
«Considerada a sua enorme bagagem cultural, e a sabedoria com a qual soube conjugar “nova et vetera” [novo e antigo], considero o papa Luciani o mais genial dos papas do século XX», diz a investigadora.
No horizonte da fundação está a publicação de toda a obra de João Paulo I, que exigirá a transcrição dos seus manuscritos, como as agendas, o envolvimento de estudantes universitários, através de bolsas de estudo, nos projetos de investigação, e a organização de iniciativas culturais para difundir o pensamento de Albino Luciani.