Numa atenção compreensiva e crítica aos problemas culturais e sociais emergentes no mundo contemporâneo e numa renovadora mitografia do ser lusíada, desde há meio século Eduardo Lourenço constituíu-se no mais reputado pensador português da atualidade. Na sua obra ensaística e sua escrita de rara qualidade literária, a qualificada condição de filósofo frutifica em fecunda questionação da sua circunstância nacional e internacional.
Saído de educação familiar católica e tendo sustentado essa formação nos tempos de «rapaz do CADC» em convívio com os jovens neorrealistas de orientação marxista, Eduardo Lourenço nunca renegou os princípios e os ditames do humanismo cristão. Através das vicissitudes e perplexidades de décadas de adverso devir no Ocidente do mundo das ideias e da atitude da intelectualidade dominante, manteve-se fiel aos seus fundamentos antropológicos, axiológicos e éticos, bem como à consequente «obrigação de suportar a liberdade humana» em todos os domínios.
Tão oposto às panaceias ideológicas, prontas a cativarem ou alienarem a liberdade da vontade intelectual, quanto avesso à desolação do «niilismo espiritual» e à demissão das doutrinas relativistas, Eduardo Lourenço sustentou sempre, com desassombro e brilho, que a sua demanda de Conhecimento se queria coerente com o horizonte da «vivência mesma da Verdade» e que nela obedecia, «por temperamento e por formação espiritual», à «única motivação radical» que «finalmente é como decisão de ordem “religiosa" e mesmo "mística" [...] que melhor se compreenderá» («Segundo Prólogo sobre o Espírito de Heterodoxia»).
Dessa radicalidade pensante decorreu o confronto inquieto com o sentido do trágico, em autores que particularmente o atraíram (como Antero de Quental) e na perspetivação do seu próprio destino. Nesse processo existencial e fenomenológico, tão tocado pelo abalo metafísico do encontro com Kierkegaard e com F. Pessoa, em ordem à edificação de uma sabedoria trágica da vida porventura conciliável com a vivência eclesial da Fé, a incomensurável Transcendência divina («Há dias em que madrugamos e julgamos que vamos apanhar Deus. Em vão: Deus levanta-se sempre mais cedo!...») tem, para Eduardo Lourenço, o Mediador imprescindível em Cristo, arquétipo da abertura amorosa do Eu ao Outro e de um sentido redentor para o Tempo.
Ponderadas estas razões, o júri do Prémio Árvore da Vida / Padre Manuel Antunes decidiu por unanimidade atribuir em 2020 esse galardão a Eduardo Lourenço.