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Museus do Vaticano: As escolhas da diretora, entre arte, trabalho e família

A primeira obra que Barbara Jatta escolhe tem as dimensões de um ícone: 24 cm de altura por 18. É de tal maneira pequena que na vastidão das obras conservadas nos Museus do Vaticano, cerca de 150 mil peças, e um percurso expositivo de mais de sete km, passa quase inobservada. Encontra-se na Pinacoteca, numa das salas do século XV. É a “Nossa Senhora com o Menino entre S. Domingos e Santa Catarina de Alexandria”. É atribuída ao Beato Angélico, remonta a 1435.



Imagem "Nossa Senhora com o Menino entre S. Domingos e Santa Catarina de Alexandria" | D.R.


A nossa viagem com a diretora dos Museus do Vaticano, primeira mulher a receber a instituição onde trabalham diariamente cerca de mil pessoas, começa por aqui. Pedimos-lhe para escolher algumas obras com protagonista feminino que mais aprecia. Quase um mapa da alma. «Toca-me – explica – porque é uma mulher docíssima, como só a Virgem pode ser, mas ao mesmo tempo decidida.» Notamos que o olhar de Nossa Senhora não se dirige para o Menino, mas a quem observa. «É uma obra pequena. Além disso, era uma das obras à qual João Paulo II era mais devoto, tanto que a enviámos recentemente para Varsóvia, para uma exposição por ocasião do centenário do seu nascimento, e foi escolhida como capa do catálogo. Esta pintura é uma das que mais prefiro em todos os Museus.»

Doce, mas simultaneamente determinada, é-o também Barbara Jatta, de 59 anos, com dias longos e intensos, entre o trabalho e a família. Um marido pediatra («sou afortunada porque me ajudou muito quando as crianças eram pequenas») e três filhos, agora grandes (o maior com 30 anos, a segunda com 28, o mais novo 19). «Penso que cada um deve ser ele próprio. É claro que quando desempenhas papéis como o meu, deves, de alguma forma, proteger-te… Mas é fundamental não perder a própria identidade. Lembro-me que, recém-nomeada, um grande gestor de uma sociedade americana me disse: “Recorda-te sempre quem és, não o que és”.»

É verdade que não deve ser fácil trabalhar num ambiente em grande parte masculino. «Mas não é tudo masculino», especifica. «Quando entrei na Biblioteca do Vaticano, há 26 anos, éramos três mulheres, todos os outros eram homens. Quando a deixei, 50 por cento era composta de mulheres. Quando cheguei aos Museus, há cinco anos, dos quase 800 funcionários, metade eram mulheres. Como em todo o lado, o importante, independentemente do género, é o profissionalismo. E nisto, no Vaticano, não há discriminações.» Aponta-nos a responsável pelo Gabinete de Imprensa, ao seu lado. «Uma mulher, Lucina Vattuone, por exemplo, é responsável por um serviço importante. Um homem é meu delegado para os assuntos científicos, e escolhi-o porque o considerei o mais apto. Quando tive de escolher um chefe do laboratório de restauro para as pinturas, escolhi uma mulher, mas pelo seu profissionalismo.»

Retomemos a nossa viagem. «Do Beato Angélico temos uma maravilhosa capela, toda em frescos, na qual se é completamente envolvido na sua pintura. Luminosa, mas ao mesmo tempo muito íntima.» Encontra-se no coração do palácio apostólico. É a “Capela Nicolina”, do nome do papa Nicolau V, que ordenou a sua construção. De momento não está inserida no percurso normal de visita porque é demasiado pequena para garantir o distanciamento. Após um percurso labiríntico, encontramo-nos diante de uma portinha. Logo que se atravessa o umbral, somos inundados por um banho de luz dourada. A capela é dedicada aos santos Estêvão e Lourenço. Na luneta da parte central, à direita, indica-nos um fresco que retrata um episódio: “Pregação de Santo Estêvão e disputa no sinédrio”. O santo está de pé. Diante dele, sentado por terra, um grupo de mulheres escutam-no. Os rostos têm expressões diferentes uns dos outros. Há quem olhe com atenção, há quem se distraía. Ao fundo, os homens.



Imagem "Pregação de Santo Estêvão e disputa no sinédrio” | D.R.


«Nos 26 anos de Biblioteca fui valorizada por cinco cardeais e três prefeitos. Nunca me senti discriminada enquanto mulher. O mesmo quando cheguei aqui. É claro que, por vezes, lembras-te que estás em minoria. Há algum tempo, tivemos uma reunião do Governatorato e eu era a única mulher. E a primeira vez que fui às saudações do papa, no Natal, quando dizia «irmãos e irmãs», todos se voltavam para mim, porque eu era a única mulher. Mas nos últimos anos as coisas mudaram. De resto, o Vaticano é um espelho da sociedade atual.» Precisamente no Governatorato, em novembro, o papa Francisco nomeou secretária-geral a Ir. Raffaella Petrini, a primeira mulher a desempenhar esta função.

Vamos, agora, para a Capela Sistina. Mas não nos detemos diante do “Juízo universal”. Barbara Jatta aponta para o alto, para as “Sibilas”. Majestosas figuras de mulher, afrescadas por Miguel Ângelo entre 1508 e 1512. «Tocaram-me sempre porque são anunciadoras do Verbo e são imponentes. Se quisermos, parecem inclusive masculinas. A “Délfica”, a “Líbica”, considerei-as sempre figuras maravilhosas e muito incisivas. Mulheres que falam e veem antes dos outros.» Detemo-nos, em particular, a observar a “Délfica”. Tem na mão um rolo, mas a sua cabeça está voltada para a parte oposta em relação à rotação do corpo. Como se alguma coisa ou alguém a tivesse distraído, enquanto o queria ler.


Imagem "Délfica” | D.R.


Regressamos à Pinacoteca. Numa sala ao fundo, a oitava, a diretora mostra-nos uma pintura de grandes dimensões: é a “Nossa Senhora de Foligno”, de Rafael. «É uma obra da maturidade artística, que tem referências dos artistas vénetos, mas também da plasticidade de Miguel Ângelo. Tem uma doçura infinita. Considero-a uma obra belíssima.


Imagem "Nossa Senhora de Foligno” | D.R.


Os olhos de Barbara Jatta brilham. «É um grande privilégio do meu trabalho, uma grande bênção, estar rodeada desta beleza. Porque te recarrega. Como me disse o papa Francisco há pouco tempo, a arte ajuda a ir em frente. Há dificuldades, obviamente. Mas são recompensadas. Esta beleza dá-te força para continuar com paixão, mas também com devoção, com sentido de responsabilidade por esta função tão delicada e importante. Uma função de conservação e partilha de um património não só de história e de arte, mas também de fé e de devoção cristã.»

Perguntamos-lhe como se cruzam a arte e a fé. «Estes são Museus onde a identidade cristã é de tal maneira forte, que a atenção ao aspeto da evangelização é preeminente. Eu sou uma historiadora de arte, mas neste lugar as considerações são e devem ser diferentes. Dou um exemplo: faço parte de uma assembleia de diretores de museus internacionais, Louvre, National Gallery, etc. Mas sinto fortemente que sou portadora de uma identidade diferente, que é a cristã. A obra que se faz aqui não é só de educação artística e histórica, mas de evangelização através da arte. Pio XI compreendeu-o quando, nas vésperas dos Tratados de Latrão, de 1929, instituiu a comissão que permitiu construir a rampa de entrada e o portão principal, e que permitiu fazer entrar os visitantes diretamente de Itália. Desde 1932 qualquer pessoa pode pagar um bilhete e entrar facilmente. Antes, tinha de entrar pelo palácio. E os Museus só estavam abertos aos diplomatas, aos académicos. Pio XI, como homem de cultura e de fé, compreendeu a extraordinária potencialidade de evangelização encerrada nestas coleções.»

E neste triunfo da beleza, a mulher é central. «Não há dúvida que as figuras femininas são notáveis em todas as coleções. A Virgem é a representação por excelência da arte cristã. Em alguns casos, mais ainda do que Cristo.». Faz-nos ver duas em particular. Encontram-se no museu Pio Clementino, Gabinete das Máscaras. A primeira é uma cópia da “Afrodite” de Doidalsas. «Observa o rosto, a doçura dos movimentos.» A segunda, na mesma sala, é uma cópia romana da “Afrodite Cnídia” de Prassitele. De pé, as feições suaves, a expressão séria.


Imagem "Afrodite” | D.R.


«Há muitas esculturas venusianas no museu Pio Clementino. E há uma escultura feminina belíssima no museu Gregoriano Profano. É a “Nióbide Chiaramonti”. A estátua, cópia do tempo de Adriano, retrata uma das filhas de Níobe enquanto tenta fugir das flechas de Apolo e Artémide. Falta a cabeça, ficou apenas o corpo. «É uma mulher forte, mas em movimento. E tem um panejamento esplêndido, movido pelo vento», convida-nos a observar. Efetivamente, ao vê-la, somos tocados por este movimento de todo o corpo, como e escultor tivesse capturado o instante em que foge. «Colocámo-la no centro da sala. De resto, a Nióbide é uma divindade.» Há uma continuidade «entre a arte antiga e a cristã: a mulher é expressão de um cânone de doçura, de beleza. Com o cristianismo, depois, o sujeito feminino tem um desenvolvimento exponencial, pelo papel que a Virgem desempenha na vida.»

A nossa viagem acabou, dirigimo-nos para a saída. Não sem antes termos dedicado um último olhar à Nióbide em fuga.


Imagem "Nióbide Chiaramonti” | D.R.

 

Elisa Calessi
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Atualizado em 29.07.2024

 

 

 
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