Chega o momento em que cada pessoa está só, na presença do Senhor. Acabam os clamores, calam-se as palavras, as pessoas reunidas dispersam-se, e cada um está, só, na presença do Senhor. Esquecem-se as empresas, tornam-se insignificantes as honras, os títulos, os reconhecimentos, e cada um está, só, na presença do Senhor. Perdem interesse as notícias, as palavras boas e as palavras amargas, a retórica e as celebrações, e cada um está, só, na presença do Senhor.
O Evangelho descreve aquilo que me poderá dizer o Senhor, aquilo que eu poderei dizer ao Senhor, quando, como todos, estiver só na presença do Senhor.
E o Senhor dirá: «De onde vens, Luca, irmão?»
E Luca responderá: «Venho de uma terra em que a vida não conta nada; venho de uma terra onde se morre e não importa a ninguém, onde se morre e não importa a ninguém, onde se faz o bem e não importa a ninguém. Venho de uma terra em que a vida de um homem não conta nada e onde se pode fazer sofrer sem motivo e sem pedir desculpa!».
O Senhor dirá: «Não digas isso, Luca, meu irmão. Eu escrevo no livro da vida o teu nome como o nome de um irmão que amo, de um irmão que me é querido, que desejo encontrar para partilhar a vida e a alegria de Deus. Não digas isso, irmão. Eu te bendigo por cada copo de água, por cada pão partilhado, pela hospitalidade que ofereceste. Sede bendito pelo meu Pai e recebe em herança o reino preparado para ti desde a criação do mundo».
E o Senhor dirá: «Porque te voltas para trás, meu irmão?».
E Luca responderá: «Volto-me para trás porque considero aquilo que está por fazer, considero a incompletude que espera o cumprimento, as promessas que devia ter honrado, a missão que devia ter cumprido. É isto: a vida é demasiado breve. Demasiadas expetativas suspensas. Por isso me volto para trás».
E o Senhor dirá: «Não te voltes para trás, Luca, meu irmão. Demasiado breve foi a tua vida, como demasiado breve foi a minha vida. No entanto, do alto da cruz pode gritar-se: “Está cumprido”, como no momento extremo se pode oferecer o dom mais precioso, sem que o tempo o consuma. Por isso não te voltes para trás, Luca, meu irmão; entra na vida de Deus: serás jovem para sempre!».
E o Senhor dirá, ainda: «Porque estás ferido, Luca, meu irmão?».
E Luca responderá: «Estou ferido porque é assim que os homens tratam aqueles que os amam e aqueles que os servem: dão-me o mal em troca do bem e ódio em troca de amor. Estou ferido porque há países onde a esperança é proibida, onde a tarefa de consertar o mundo foi declarada falida, onde a gente que conta continua a combinar os seus negócios e a gente que não conta continua a ferir e a ser ferida. É por isso que estou ferido, porque eis como são os malvados: sempre em segurança acumulam riquezas e contra o justo tramam insídias, e não há quem faça justiça».
E o Senhor dirá: «Não digas isso, Luca, meu irmão. Olha para as minhas feridas, recebi-as dos meus irmãos; e olha para o meu coração: do meu lado sai sangue e água; se o grão de trigo, caído à terra, não morre, permanece só; se, ao contrário, morre, dá muito fruto. Eu semeei na História uma semente de amor que produz frutos de amor, e quem permanece no amor permanece em mim, e Eu nele. A gente que conta e acumula riquezas está destinada a morrer, e para eles será pronunciado o juízo: ide, afastai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Mas os mansos herdarão a Terra, os justos são abençoados e abençoada a sua descendência».
E o Senhor dirá: «Porque choras, Luca, meu irmão?».
E Luca responderá: «Choro porque choram as pessoas que amo; choro porque ficam jovens vidas que precisam de abraços e de beijos, de afagos e de palavras verdadeiras e fortes, e eu não estarei lá para enxugar as suas lágrimas e partilhar as suas alegrias; choro porque ao clamor sucederá o silêncio, após a notoriedade chegará o esquecimento: quem tomará conta das jovens vidas que eu não verei caminhar na vida».
E o Senhor dirá: «Não digas isso, Luca, meu irmão. Eu enviarei o Espírito Consolador, Espírito de paciência e de fortaleza, Espírito de verdade e de amor, e apertar-se-ão em vínculos de afeto invencível aqueles que te são queridos, e nenhum será abandonado, e Eu mesmo secarei cada lágrima dos seus olhos, e os vínculos de sangue, os vínculos de afeto, os vínculos de amizade serão mais intensos e mais verdadeiros, mais livres e mais felizes. A tua partida não se tornará numa ausência, a tua presença na alegria do Pai não será uma distância. Não chores mais, Luca, meu irmão».