Está publicado em Portugal um dos ensaios mais conhecidos, originais e controversos de Simone Weil, escrito em 1943, último ano da sua vida: “Nota sobre a supressão geral dos partidos políticos” (ed. Minerva, 2018; ed. Antígona, 2017).
A tradição filosófica e política ocidental, de Sócrates em diante, elaborou a ideia de que não há nada indiscutível; mas isso não pode significar que cada certeza seja eliminada, deixando que à nossa vida faltem totalmente convicções e valores aos quais permanecer fiéis.
Pessoalmente, não consigo afastar-me da convicção de que naquele breve escrito Simone Weil teve muito mais razão do que não, ainda que a sua tese não seja, quase nunca, nem aceite nem tomada em consideração por politólogos, historiadores e comentadores políticos.
O equívoco consiste em acreditar que abolir os partidos políticos equivaleria a suprimir a liberdade de pensamento, de escolha e de alinhamento político; ou até, pior ainda, que sem partidos políticos haveria apenas um totalitarismo do “partido único”. Por isso o ensaio de Simone Weil não é sequer lido: é recusado pelo seu próprio título.
Se se discutissem, depois de as ter lido, aquelas páginas, ver-se-ia que as suas considerações não são somente uma consequência devida às horríveis e trágicas experiências dos anos 1920-1940, quando os partidos bolchevista, fascista e nazista se mostraram instrumentos muito eficazes na realização de regimes ditatoriais e totalitários.
As observações de Simone Weil têm uma valia mais geral, dizendo sobretudo respeito à defesa da liberdade do pensamento das pessoas, liberdade que o espírito de pertença política inibe e reduz drasticamente.
Não podendo resumir todo o ensaio, obra-prima de lucidez quer política quer moral e psicológica, isolo algumas ideais essenciais.
Antes de tudo, os partidos são máquinas de organização que usam a paixão coletiva, cultivam-na e multiplicam-na em chave competitiva. Mas as paixões competitivas não coincidem com aquilo que mais conta na política: verdade, justiça e bem público.
Os partidos são instrumentos que se transformam abusivamente em fins em si próprios. O seu propósito é o crescimento numérico e do poder. A sua linguagem-pensamento é a propaganda.
Para fazer parte dos partidos, é preciso renunciar à autonomia da reflexão e do juízo. Se isto não acontece, a pessoa é suspeita de traição. O partido é um ídolo que pede idolatria, e a sua lógica é tipicamente bélica: vencer ou perder.