O nosso reino
O Nosso Reino é um filme de Luís Costa, inspirado na obra homónima de Valter Hugo Mãe, que estreou na competição nacional do Curtas Vila do Conde International Film Festival, no passado dia 7 de outubro, no Teatro Municipal de Vila do Conde.
Luís Costa nasceu no Porto, em 1993. Em 2014 conclui a Licenciatura de Som e Imagem, na Escola das Artes da Universidade Católica Portuguesa [Porto]. Tem desenvolvido vários projetos de cinema e fotografia. É cofundador e realizador do projeto Pinehouse Concerts. Em 2017, estreou O Homem Eterno, ao qual a Academia Portuguesa de Cinema atribuiu o prémio Sophia de melhor curta-metragem documental.
Não tenho quaisquer pretensões no âmbito da crítica de cinema e nem sequer me considero um cinéfilo, em stricto sensu, porém este filme de Luís Costa merece uma breve reflexão, não necessariamente como filme, mas como objeto estético.
"O nosso reino" | Luís Costa | D.R.
Trata-se de uma inspiração, não de uma adaptação. Creio que o formato de curta-metragem não serviria para uma adaptação do romance de Valter Hugo Mãe, livro que foi publicado em 2004 e que foi a estreia do poeta nos domínios da narrativa ficcional.
É muito interessante que Valter Hugo Mãe tenha publicado o seu primeiro livro de poesia em 1996, oito anos antes deste seu primeiro romance. Estou convencido de que, durante esse período, a poesia permitiu que explorasse os rudimentos do imaginário do ficcionista, esse contador de histórias em que se desdobram fulgurações e sentidos íntimos.
Com efeito, o livro é o ponto de partida, uma inspiração, e o filme autonomiza-se, adquire a espessura de um objeto outro, como um poema: denso, breve, prescindindo de narratividade [ou da pretensa inteligibilidade da narrativa tradicional], com acuidade simbólica… um tumulto, portanto [como se lê num poema de Tolentino Mendonça: «todo o poema/ é um tumulto/ que pode abalar/ a ordem do universo»].
Luís Costa | D.R.
Luís Costa, nesta curta-metragem de quinze minutos, corria inúmeros riscos: podia ter-se colado ao livro, constrangido dentro do espartilho de um processo de adaptação; podia cair na tentação da explicitação discursiva; podia deixar-se seduzir por alguns lugares-comuns com que espalhasse a desolação pelo seu filme.
Luís Costa revela um meticuloso sopesamento da beleza. Sei que não prescinde de tempo, do diálogo e da aprendizagem. Neste filme, nada há de contingente nos rumores de Tarkovsky, nos frémitos tenebristas de Georges de La Tour e Caravaggio. Aliás, nada há de contingente nesta curta-metragem, mesmo que sejam poeticamente implícitas as arestas da sua intencionalidade.
Podia enfatizar o facto de Luís Costa ter apenas 27 anos, mas isso é irrelevante, na medida em que há em O Nosso Reino um presente sólido, que prescinde de considerações sobre o passado e resiste a quaisquer extrapolações sobre o futuro.
O Nosso Reino é um filme-poema, desdobrado nas diferentes espessuras do fogo, da sombra, de silêncios perturbados pela respiração. Um objeto tremendo.