A parábola dos talentos (Mateus 25, 14-30, 32.º Domingo do Tempo Comum) encena o desafio entre o património económico e o património relacional, o muito dinheiro de um senhor rico e o seu grande projeto para os seus servidores: confia-lhes o tesouro e parte. No momento do regresso e da prestação de contas, a surpresa duplica. Em vez de manter para si, o senhor relança: “Muito bem, servo bom, dar-te-ei o poder sobre muito”. E escutamos o eco do profeta: «Assim tu serás a alegria do teu Deus» (Isaías 62, 5). Feliz daquele que não só dá aos servos o investimento e o lucro, mas ainda acrescenta: «Entra na alegria do teu senhor».
Senhor e servos entraram em sintonia de vida, na experiência de «o Reino vem com o florescer da vida em todas as suas formas» (Giovanni Vannucci). Os primeiros dois compreenderam e ousaram, o terceiro teve medo e enterrou a sua vida: sei que és um homem duro, que ceifas onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste… tive medo. Eis aqui aquilo que é teu. Nunca considerou aquele talento como seu. «Tive medo.»
O pai de todos os medos é o medo de Deus. O terceiro servo tem uma imagem de Deus triste, predatória, que sabe a morte. Sente-o duro, inimigo e injusto. E quem não teria medo de um Deus assim? Toda a parábola, pelo contrário, desenha uma imagem oposta de Deus, que não é o ceifador severo de quanto semeou, mas deixa com contentamento toda a boa semente à tua mesa, melhor, ainda a duplica.
Não estamos no mundo para acertar contas com Deus, mas para partilhar tesouros de bondade, de alegria, de beleza, de laços. Em relação ao servo que não foi capaz, a reação parece-nos desproporcionada. Mas Jesus usa uma linguagem apocalíptica, paradoxal, para dizer que uma imagem errada de Deus pode provocar desastres, pode fazer-nos verdadeiramente falhar a vida. E é isso que devemos temer.
A “Evangelii gaudium” 49 tem uma oferta de solar criatividade quando nos exorta a ter mais medo de permanecermos imóveis e gastos do que de errar. A nós, formados na ideia de que o pior é errar, dentro do esquema delito-castigo, este Evangelho recorda que o pior que nos pode acontecer é permanecermos imóveis, enterrados, estéreis, perdedores, se depois de nós, atrás de nós não deixamos vida.
O mundo é uma realidade germinante, e é-o também cada criatura, e nós estamos no mundo «para o florescimento do ser» (Romano Guardini), para fazer avançar, ainda que só com um pequenino passo, o bem, os talentos bons, a história da alegria. Há uma vida que preme nas nossas fronteiras, não um tribunal. Por isso a quem tem será dado. Deus oferece vida a quem produz amor. Deus é a primavera imparável do cosmo, a nossa tarefa é tornarmo-nos o verão perfumado de frutos.