«A vida do burguês baseia-se na propriedade, isto é, no sentido de solidez do bem-estar. A preocupação do cristão é ser, o propósito do burguês é ter. Quando o burguês diz: a minha mulher, o meu automóvel, as minhas terras, o que conta para ele não é a mulher, o automóvel, as terras, mas o pronome possessivo que para ele toma carne.»
Não, não foi Marx que escreveu este duro “j’accuse” contra a burguesia, mas um filósofo cristão de forte paixão espiritual, o francês Emmanuel Mounier (1905-1950), na sua obra mais original, “Revolução personalista e comunitária” (1953).
Estamos todos de acordo em reconhecer à burguesia clássica, à sua cultura, à sua incidência social, muitos resultados importantes na configuração do rosto da civilização ocidental.
Há, todavia, um “espírito burguês” que muitas vezes se transformou numa teorização do egoísmo, do bem-estar enquanto fim em si mesmo, da possessão intocável, da insensibilidade social. Como escreve Mounier, é o pronome possessivo que domina e dá cor e valor a toda a realidade.
É por isso que a primeira palavra que Deus dirige a Abraão é precisamente o contrário de uma atitude semelhante: «Sai da tua terra, da tua pátria e da casa do teu pai!» (Génesis 12, 1).
E Jesus fará ir pelo mundo os seus discípulos ligeiros como o vento: «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; 10nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado» (Mateus 10, 9-10). É com esta liberdade que se é capaz de ir além do pronome possessivo para descobrir a pessoa e a comunhão.