Observatório da Cultura
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Igreja e Cultura

A fé na cultura

O que é mais importante (criar, manter, repensar) na relação da Igreja com a Cultura?

Há dez anos, acreditando no sucesso de um candidato a presidente da autarquia da minha terra natal, e mesmo contra todas as sondagens que o davam como perdedor, escrevi num panfleto de apoio as seguintes frases: "dizem que a política é a arte da razão; e que a fé é irracional; no entanto, eu acredito". O meu candidato perdeu, como bem dizia a razão. Mas eu percebi aos vinte e poucos anos uma coisa importante: a fé não deve entrar nos domínios da razão.

Nisto fui bem ensinado (soube-o mais tarde) pelo evolucionista Stephen Jay Gould que, devido a questões conjunturais que tinham a ver com o debate entre os cientistas e os criacionistas americanos, propôs a tese essencial dos magistérios separados, colocando de um lado a ciência e do outro a religião.

Os animais não têm cultura no sentido que é o que mais facilmente apreendemos. Podem ter rituais do domínio da biologia de cada grupo, mas algo que se transmite geracionalmente como aprendido pela própria sociedade é apenas humano. Poder-se-á por isso inferir, tendo em consideração que somos o único animal racional, que a cultura está, como os exemplos dados da política e da religião, fora do âmbito da fé e por conseguinte da religião. Acho que não.

Poder-se-á, claro, falar de cultura científica e até política, o que contradiz esta humilde tese. Mas a cultura que aqui se quer pensar na sua relação com a religião é a das artes, do génio humano enquanto devedor de um sopro divino que permite quadros de Botticelli ou de Chagall. É por isso matéria de fé. De que forma? Daquela que, no mito do universo poético, diz sempre que "o primeiro verso é oferecido, os restantes são conquistados".

Não podemos ser portanto mais limitados se analisarmos a perspetiva cultural fora do âmbito do religioso. Seja no âmbito da fé, do oferecido pelos deuses, seja
no âmbito da Igreja que lhe dá corpo. Não valerá a pena sequer discorrer aqui da dívida que o génio humano na sua perspetiva artística tem com a Igreja. Basta pensarmos que até há bem pouco tempo era no seu seio e por si que a arte se fazia. Mas vale a pena pensar um bocadinho onde estamos agora nessa relação secular.

Não estamos de costas voltadas, quero crer. Em Portugal, a Igreja tem ainda (e ainda bem) um papel importantíssimo na sociedade. Não podemos nem devemos esquecer que grande parte do país ainda é feito de localidades e que, tirando os dois grandes centros urbanos de Lisboa e Porto, é a Igreja quem sustenta muito do que a juventude cria. Se a isto se somar que é nela que, mesmo aqueles para quem a fé desapareceu, se encontra o Belo, percebe-se a dimensão da sua importância. Seja nas igrejas, seja nos cânticos ou seja nos ritos (o Compasso Pascal ou o Missal, por exemplo).

Mesmo distante que estou de alguma fé, já várias vezes entrei com o meu filho de cinco anos na missa que ao fim da tarde se celebra no Chiado. Só para que ele veja que é esta a nossa cultura, com dois mil anos de história e saber. Só para que ele saiba que, querendo acreditar ou não, é muita a beleza que a Igreja traz e deve merecer o maior respeito por todos aqueles que se dizem possuidores de razão - com ou sem a irracional fé.

 

Este depoimento integra a edição de novembro de 2011 do "Observatório da Cultura" (n.º 16). Leia mais respostas à pergunta.

 

Jorge Reis-Sá
Editora Babel
© SNPC | 14.11.11

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Capela Árvore da Vida
Foto: Nelson Garrido



















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