A grande questão ecológica, vista a partir de uma perspectiva crente, consiste em saber se a humanidade é digna da criação.
O mito fundador judaico-cristão, logo no seu próprio início, pôs esta questão e respondeu-lhe de forma clara e diamantina. Segundo o mito cosmogónico em causa, o Criador do mundo, criou este a partir da sua própria divina grandeza como ato de amor, isto é, de outorga de um absoluto de bem ou de um bem absoluto. O mito, que divide em sete etapas este ato único de criação, no fim de cada etapa, põe o criador a proclamar a bondade absoluta do que ia sendo acabado de ser criado. Para o mito, não há dúvida alguma acerca do carácter de absoluta bondade de tudo o que foi criado, como acabado de criar.
Um dos acabados de criar, uma especial criatura, em forma dupla complementar, sob o modo homem-mulher, o ser humano é dotado com um especial poder, o de não ter de seguir mecanicamente o movimento natural da restante criação. Tal criatura pode dizer não a qualquer possibilidade, o que significa que pode dizer que sim, mas não tem que dizer que sim: esta é a raiz de toda a possível liberdade. Para este ser, o possível não é necessário. Para todos os outros, há uma sujeição à necessidade do movimento natural, complexíssimo, indeterminável prolepticamente, mas mecânico.
Nesta mecanicidade natural, não há qualquer possibilidade de algo como uma qualquer irregularidade ecológica. Não há problemas ecológicos no sol; por enquanto.
Na parte do mito em que o ser humano complexo sempre escolheu de acordo com o melhor bem possível para a criação, nunca houve qualquer problema ecológico. A ecologia correspondia à totalidade do movimento natural criado e posto em autocinese.
O primeiro ato que perturbou a prístina ecologia inicial corresponde, miticamente, às famigeradas dentadas de Eva e de Adão, o ser humano complexo, na maçã que não deveria levar dentada alguma por parte de tal complexo ser. Era este um princípio ecológico de tal mundo; mundo até então perfeito.
Com as dentadas, nasceu uma outra forma de ecologia, a ecologia do desequilíbrio, pois a anterior correspondia à ecologia do equilíbrio perfeito. Note-se que, do ponto de vista do atual mito científico, tal não corresponde a uma negação do sentido entrópico do mundo, pois nada no mito diz que a entropia não faz parte do mundo criado: as folhas das árvores não cairiam no mítico jardim?
Assim, o que está em causa com as dentadas não é o sentido entrópico do mundo, que lhe é consubstancial, fazendo parte da sua própria perfeição (teologicamente diz-se: o mundo não é Deus, o único não-entrópico), mas o sentido do papel ecológico do ser humano na criação. Esta é necessariamente entrópica, com uma entropia criada – as folhas caem mesmo –, mas a ação humana pode ou não acrescentar entropia excessiva; excessiva relativamente ao que é a entropia natural.
Assim, o ser humano usou a possibilidade com que foi dotado de poder escolher sempre o bem do mundo, escolhendo nem sempre esse mesmo bem: as dentadas na maçã são de isso símbolo. É, assim, o ser humano que introduz o desequilíbrio ecológico no mundo criado.
Esta consciência é, assim, já muito antiga, muito mais antiga do que o termo «ecologia», coincidente com o que esse termo designa e que é, deste modo, algo de muito, muito, antigo em termos de intuição humana do que e o seu papel negativo no seio do mundo.
Deste ponto de vista, o primeiro texto ecológico no sentido mais profundo da ecologia como relação do ser humano com o mundo de que faz parte, na tradição judaico-cristã, é o próprio Génesis, logo nas suas primeiríssimas páginas. O restante da Bíblia é o longo mostrar de como tais dentadas na maçã se multiplicam e se expandem, e de como o próprio Criador se relaciona com tal movimento, que observa com paternal respeito, até ao momento em que resolve intervir sem violência, fazendo-se em carne capaz de morder no que não deve, a fim de mostrar como se deve viver em ecológica santidade.
Cristo é o ecólogo padrão do mito cristão, como esse que vem mostrar como se pode e deve viver amando toda a criação, e, assim, e por ela, o criador. Verbo no princípio, verbo no meio, verbo no fim: verbo ignorado?