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Resumo da obra «Cur Deus homo», de Santo Anselmo

Porquê um Deus homem?

Se é verdade que a Escritura refere que não é possível compreender sem crer, ela não deixa de exortar à procura das razões da fé, dado que a inteligência está a meio caminho daquela e da visão beatífica.

O primeiro dos dois livros da obra, que contém as objeções daqueles que rejeitam a fé cristã e as respostas dadas pelos fiéis, pretende provar, apenas pela via da razão, a impossibilidade da salvação sem Cristo. O segundo livro tem como objetivo demonstrar racionalmente que a natureza humana (corpo e alma) poderá gozar de uma bem-aventurada imortalidade; que um homem-Deus, e só ele, deve realizar o destino a que é chamado todo o ser humano; e que é necessário que se concretize tudo aquilo que se crê de Cristo (cf. Prefácio).

Para expor os seus argumentos, o autor – que conta com a ajuda de Deus e da oração dos fiéis (cf. cap. II) – recorre a interrogações e respostas, em virtude destas serem mais claras e mais agradáveis para muitos espíritos, especialmente os mais lentos. As dúvidas são colocadas por Boso, que de certa forma representa a insistência daqueles a quem estes problemas inquietam (cf. cap. II).

Apresentando-se humildemente ao seu interlocutor, Santo Anselmo refere a possibilidade de uma pessoa mais sábia poder responder às perguntas de modo mais completo. Por outro lado, o objeto da discussão é de tal ordem que, independentemente da força da argumentação, as razões mais profundas permanecerão ocultas.

O problema genérico da obra consiste no facto de muitos, fiéis e infiéis, por motivos diversos, bem se vê, não compreenderem o motivo que levou o Todo-Poderoso à incarnação e à Páscoa, quando, segundo eles, o mesmo objetivo poderia ser conseguido por outro ser ou de outra forma.

Santo Anselmo começa por hesitar em responder (cap. I), dado que a beleza do seu objeto ultrapassa tudo o que é humano, e também porque Ele contém razões que ultrapassam a inteligência dos homens.

O primeiro problema concreto apresentado a Santo Anselmo provém dos infiéis que pensam que é uma ofensa considerar que Deus assumiu todas as limitações e condicionantes próprias do homem (nasceu de mulher, alimentou-se de alimentos vulgares, suportou a fome, a sede, entre outras idiossincrasias específicas do ser humano) (cf. cap. III). Na resposta, considera-se que a incarnação é digna de louvor porque, tal como a morte entrou no género humano pela desobediência de um homem (nascido de mulher), seria necessário que a obediência de outro (igualmente nascido de mulher) restaurasse a vida; a madeira da árvore da transgressão transfigura-se, com Cristo, no madeiro da Cruz, pela qual a humanidade alcança a salvação. A incarnação e o Mistério Pascal não são de somenos (pinturas no ar ou sobre a água, como referem os infiéis), na medida em que são motivados pelo facto de Deus ter visto que a sua obra maior, o género humano, estava perdida, e que o plano divino respeitante à humanidade tinha fracassado; a restauração desse programa inicial só poderia ser conseguida através de uma intervenção divina, já que as criaturas não o conseguiriam por si próprias (cf. cap. IV). Aliás, se porventura a obra de salvação fosse realizada por outra criatura que não Deus, o homem seria servo dela (cf. cap. V).

Outra questão relevante tem a ver com a necessidade de Deus, que é o Senhor de todas as coisas, se ter sujeitado a tantas humilhações para obter a redenção. Santo Anselmo começa por referir que a natureza divina é impassível, pelo que os seus trabalhos não a alteram. Na incarnação não há nenhuma humilhação, mas antes uma exaltação da natureza humana (cf. cap. VIII). Mas Boso insiste: que justiça pode haver ao entregar-se à morte o mais justo de todos os homens, o Filho muito amado? Na verdade, responde o autor, foi o próprio Cristo que procurou a morte para salvar os homens, e nisto não há qualquer falta de amor pois é muito digno que o Pai permita ao Filho fazer o que este deseja para honrar a Deus e ser útil ao homem (cf. cap. X). A escolha espontaneamente abraçada por Jesus foi motivada por uma perseverante obediência ao Pai, radicada não na exigência de deixar a vida mas de guardar a justiça (cf. cap. IX). Isto porque Cristo, que tudo recebeu do Pai, veio ao mundo para fazer a vontade de quem O enviou. A agonia no Horto das Oliveiras revela, por um lado, o desejo de salvação sussurrado pela carne; mas, mais importante, diz a vontade do Pai de restaurar o género humano pela morte do Filho. Se Cristo quisesse, poderia ter evitado a morte; no entanto seria impossível salvar o mundo de outro modo.

O capítulo XI é dedicado à génese e identidade do pecado, assim como à sua satisfação. Pecar é negar a Deus aquilo que Lhe é devido, o que não é menos que intolerável (cf. cap. XIII); o pecado, obstáculo para a felicidade a que o homem foi chamado pela criação (cf. cap. XIV), permanece enquanto não se restitui ao autor da vida aquilo que se Lhe tirou. A satisfação consiste em devolver a Deus a honra que não Lhe foi atribuída; desta devolução é o homem que tira proveito, e não Deus. De contrário, é necessária a existência de um castigo. Sem o cumprimento de uma destas alternativas – satisfação ou castigo –  Deus será impotente para ambas ou não será justo consigo, o que é impensável (cf. cap. XIII). Do pecado e da consequente satisfação ou castigo, tira Deus o bem; de facto, sem estes remédios, poderia ocorrer uma deformação da beleza e da ordem do universo, parecendo que Deus teria falhado na sua providência (cf. cap. XV).

Sem a satisfação, isto é, sem o pagamento espontâneo daquilo que é devido a Deus, o homem não pode entrar na bem-aventurança eterna; sem ela, a humanidade não ficará restabelecida no estado que tinha antes do pecado (cf. cap. XIX). Esta satisfação, que se concretiza na penitência, no coração contrito, na abstinência, nas mortificações corporais, na misericórdia da caridade e do perdão e, ainda, na obediência, deve ser proporcional ao pecado. Santo Anselmo propõe, contudo, que aqueles atos, que são caminhos para a vida eterna, não devem ser apenas realizados quando há pecado, mas na sequência de uma vida fiel a Cristo. Assim sendo, o que é que haverá de extraordinário para entregar a Deus devido à satisfação dos pecados? O capítulo XX termina com esta pergunta, que devido ao objetivo da obra não pode ser respondida pela fé mas somente pela razão. Antes de responder, o autor detém-se no problema da gravidade do pecado (cf. cap. XXI), que pode ser resumido nestes termos: pecamos gravemente sempre que fazemos algo, ainda que “leve”, contra a vontade de Deus. Por isso, não há satisfação enquanto não se devolve algo maior do que a matéria pela qual não deveria ter ocorrido o pecado. Mas ao homem é impossível obter a satisfação por ele próprio, em virtude de ter sido concebido em pecado (cf. cap. XXII).

A restauração da natureza humana não pode dar-se enquanto o homem não devolver a Deus o que Lhe tirou; esta dívida pende sobre todos os homens, desde o primeiro. No entanto, a mesma solidariedade se aplica em relação à salvação, graças ao único que pode vencer o pecado precisamente pelo facto de não ter pecado; neste sentido, um pecador não pode justificar outro(s), pelo que o homem não pode restituir a Deus o que Lhe pertence (cf. cap. XXIII). Ao débito que lhe advém de ter sido concebido em pecado, o homem vai acrescentando outros ao longo da vida.. Como agravante, não pode pagar nenhuma destas dívidas. Aqueles que não conseguem demonstrar que a salvação se obtém sem Cristo são exortados a deixar de enganar outras pessoas e a juntar-se aos fiéis (cf. cap. XXIV). O capítulo XXV, último do primeiro livro, termina com a convicção de que é necessário que alguns homens alcancem a vida eterna.

O capítulo I do livro segundo relembra que o homem foi feito santo para que pudesse ser feliz, apoiando-se numa racionalidade que distingue entre justo e injusto, bem e mal. Depois de considerar que o homem não morreria se não tivesse pecado (cf. cap. II), Santo Anselmo refere que a ressurreição consiste na restauração do estado inicial, isto é, antes do pecado, com o corpo atual (cf. cap. III). No fim do capítulo VI encontramos uma síntese do que foi mencionado até este passo: dado que é necessário que a cidade celestial se complete com homens sem mancha, e porque isto apenas pode ser obtido devido à satisfação – que, como já referimos, não é possível ao homem em virtude de uma dívida que não pode pagar – segue-se que essa restituição terá de ser feita por um homem Deus.

Esta conclusão impõe uma investigação: como é que Deus pode ser homem? (cf. cap.VII). Neste passo temos acesso a uma maravilhosa construção da identidade de Jesus, plenamente Deus e plenamente homem: é necessário que exista um Deus homem que, com as duas naturezas distintas e perfeitas, se reúna numa só pessoa. A natureza humana que Deus há-de tomar deverá ser proveniente de Adão, pois se a constituísse de um homem que não fosse da raça deste, não pertenceria ao género humano; só na linhagem de Adão se podem satisfazer plenamente os pecados deste e de todos os que lhe sucederam. O capítulo VIII prossegue com a pergunta de como deve ser originado esse homem, a partir de quatro opções biblicamente consignadas; Santo Anselmo conclui que, tal como o pecado do homem e a consequente condenação começaram pela mulher, também por ela, virgem como a causadora do mal, deve ser proveniente a causa da salvação.

O capítulo IX detém-se na questão de qual das três pessoas que há em Deus deveria incarnar. A preferência por Cristo deve-se a questões de parentesco entre o Pai e o Filho, e porque parece mais adequado que o Filho interceda junto do Pai. Na secção seguinte, Santo Anselmo defende que, tal como Adão não teria morrido se não tivesse pecado, com muito mais razão o mesmo deve suceder com o Verbo. A santidade de Cristo, o facto de Ele não pecar, não se deve à necessidade, mas devido à sua vontade; por outras palavras, a vida do Verbo não foi “automaticamente santa”, mas feita de escolhas contínuas, como se verificou, entre muitos outros exemplos, nas tentações no deserto ou na agonia que antecedeu a cruz.

A presença das duas naturezas em Cristo levanta o problema de saber se Ele poderá morrer segundo a humana, já que pela divina Ele é incorruptível (cf. cap. XI). Depois de concluir que a morte na cruz foi permitida pelo Verbo (que, se quisesse, poderia ter escolhido não morrer), Santo Anselmo recorda que Ele deve ter algo de seu para oferecer espontaneamente a Deus; pergunta-se, então, o que será, já que, como vimos, a obediência e a justiça são exigidos a toda a criatura, pelo que ofertadas por Cristo não significam algo substancialmente novo. Assim, a doação única de Cristo, que só Ele pode apresentar porque é o único sem mancha, consiste na sua própria vida em honra e louvor do Pai; o Pai não poderia exigir a vida do Filho porque nEle não existe pecado, pelo que não está sujeito à morte. Assim, o Verbo não morre por necessidade – dado que é omnipotente – nem por dívida ao Pai; mas, por outro lado, é necessário que, livremente, morra pela salvação do género humano. Mais: a morte de Cristo – tal como os seus gestos e palavras – serve de exemplo e de exortação, para que os homens, contemplando-O na cruz, escolham o caminho da vida apesar das injustiças, afrontas e dores da morte que são inerentes à condição humana.

Da natureza humana, o Verbo só retira aquilo que não contradiz a sua identidade, e que, portanto, não é prejudicial à sua missão. NEle está toda a ciência, ainda que não a revele publicamente (cf. cap. XIII).

No capítulo seguinte conclui-se que a morte de Cristo supera a quantidade e a magnitude dos pecados da humanidade, que não se comparam ao passamento do Verbo. Há dois extremos que se afastam: a desobediência e a vida do Filho; a existência de Jesus dada em expiação dos pecados prevalece sobre eles. Mais: a morte de Cristo pode conceder o perdão àqueles que lhe tiraram a vida, pois nenhum homem pode querer matar Deus com conhecimento de causa (cf. cap. XV). Chegados a este ponto, Anselmo faz nova síntese do seu pensamento: Cristo, Deus e homem, morreu por nós; não se duvide que nas suas palavras não há engano, pois Ele, que não pode mentir, tudo fez com sabedoria, ainda que não se compreenda o porquê e o como.

O capítulo XVI aborda um número importante de questões. A restauração da natureza humana é uma obra ainda mais admirável do que a criação, dado que esta foi concedida a um homem que não se achava em pecado, ao passo que a primeira foi oferecida a um pecador, que não a merecia. Esta obra da redenção atinge toda a humanidade, independentemente do espaço e do tempo. Sobre a incompreensão de Jesus ter nascido santo de entre a massa pecadora, o autor refere que a Virgem foi purificada pelo Filho, pelo que o seu nascimento foi de mãe purificada – embora este elemento nada acrescente à pureza do Verbo.

Em Deus não há necessidade nem impossibilidade (cf. cap. XVII). Não se pode dizer que uma coisa é ou não realizada por necessidade ou impotência quando apenas intervém a vontade. Neste sentido, se é verdade que todas as coisas vividas por Cristo foram feitas por necessidade, esta, contudo, só decorreu da vontade do Verbo, isto é, porque Ele assim o quis; esta vontade não foi precedida de nenhuma necessidade – pois, se assim fosse, contrariaria a afirmação mencionada no início deste parágrafo.

Nenhum homem, nem mesmo João Batista, restituiu a Deus aquilo que nunca deveria ter perdido (cf. cap. XVIII). Somente Cristo, porque o único sem mancha, pôde oferecer espontaneamente ao Pai uma vida santa; e por isso satisfez pelos pecadores aquilo que nunca ficou a dever. Será de supor, portanto, que o Pai, que não é injusto nem impotente, recompense o Filho (cf. cap. XIX); mas o que é o Pai pode oferecer a Cristo que Ele já não possua, pois tudo o que é do Pai é também do Filho? A recompensa é então oferecida a todos aqueles por cuja salvação Cristo se fez homem. A infinita misericórdia de Deus manifesta-se na redenção oferecida aos pecadores que, sem ter como se redimirem, estão condenados aos tormentos eternos (cf. cap. XX).

O último capítulo do segundo livro, além de constatar que os argumentos apresentados satisfazem as dúvidas dos judeus e dos pagãos, apresenta a convicção de que o Verbo incarnado estabeleceu o Novo Testamento e aprovou o Antigo, pelo que tudo o que a Bíblia contém é verdadeiro.

Se a teoria desta obra é plausível, conclui Santo Anselmo, tal se deve não a ele mas à inspiração de Deus.

 

rm
© SNPC | 23.04.09

Santo Anselmo


































































































































































































































 

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