Elogio de Maria Helena
Maria Helena da Rocha Pereira recebe, dentro de dias, da parte da Igreja Portuguesa, o prémio anual de Cultura. Não deixa de ser curioso que a sombra tutelar de um docente de Cultura Clássica, o Padre Manuel Antunes, que dá o nome ao galardão, apareça a mediar esta homenagem a um outro nome nobilíssimo do mesmo campo de estudos. E que Manuel Antunes e Maria Helena da Rocha Pereira, professores de ofício, tenham ambos alcançado a aura de mestres, perante gerações de alunos ou daqueles que, simplesmente, travam um conhecimento que vem pela leitura.
Talvez, em termos culturais, a sensação que temos é de viver uma crise marcada pela escassez de mestres. Importaria revisitar, por isso, o ensaio acutilante que George Steiner (As Lições dos Mestres, Gradiva, 2004) dedicou a este tópico. Ele defende que não é propriamente a sobrevivência da figura do mestre que está em causa, pois a vida das sociedades, e a nossa própria, não a pode dispensar. Mas a contemporaneidade veio, sem dúvida, inscrever mudanças fundamentais: elas derivam da revolução tecnológica e das transformações de consciência e sensibilidade, com ampla repercussão nos processos de aprendizagem (em vez de um professor, por exemplo, o aluno tem um écran); em segundo lugar, provêm do boom de falsos substitutos. "Jamais existiram tantos curandeiros, professores do oculto, consiglieri espirituais ou charlatães" a pretender formar o espírito do tempo; e, por fim (para Steiner esta é a razão mais importante e difícil de definir), a nossa cultura de consumo e de massas, com os seus heróis instantâneos, muito mediáticos e portáteis, distancia-nos da verdadeira aristocracia da inteligência e do mérito. Nesse sentido, a nossa época vê diminuída dramaticamente a capacidade de admiração.
Por tudo isto, o prémio atribuído a Maria Helena da Rocha Pereira, que dedicou a sua vida aos estudos gregos e os latinos, que durante quatro décadas, na Universidade de Coimbra, partilhou esse conhecimento com milhares de estudantes, e que conta com mais de 300 trabalhos publicados, entre ensaios e traduções, constitui não só um acto de justiça, mas também de esperança.
O Acto de Entrega do Prémio Padre Manuel Antunes 2008 terá lugar no dia 20 de Junho, em Fátima (Casa de Retiros de Nossa Senhora das Dores), pelas 16h30, no final das IV Jornadas da Pastoral da Cultura. A participação nesta cerimónia não implica a inscrição nas Jornadas.
José Tolentino Mendonça
in Página 1
06.06.2008
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