«Na plenitude da alegria pascal, exultam os homens por toda a terra…»: durante os cinquentas dias entre a vigília pascal e o Pentecostes, o prefácio da oração eucarística da missa convida-nos diariamente a viver a alegria da ressurreição. Uma alegria universal que deveria envolver toda a humanidade. «Alegrai-vos e exultai», exortava-nos o papa Francisco há três anos, ao citar as palavras de Jesus dirigidas «a quantos são perseguidos ou humilhados por causa dele» (“Gaudete et exsultate”, 1). toda a liturgia é um convite constante a fazer festa: do “Exsultet” da grande vigília ao canto do “Regina coeli”.
Podemos perguntar-nos se em tudo isto não há retórica a mais. O que é esta «plenitude da alegria que canta o prefácio? Quanta alegria é possível verdadeiramente experimentar «neste vale de lágrimas»? Qual é a felicidade a que podemos realisticamente aspirar nas contradições da vida? A humanidade que deveria exultar sobre toda a Terra continua ferida e sofredora. As catástrofes naturais continuam a acontecer, e para populações inteiras as carestias não são uma recordação do passado. As guerras recomeçam sempre, apesar do empenho de muitos construtores de paz. Os acidentes nas estradas acontecem e os casamentos falham. O mal não cessa de morder a carne dos mais frágeis, nas formas mais diversas, mas também não poupa ricos e poderosos. É possível, é lícito a alegria nestas condições? Não se trata de uma alegria falsa, forçada, ou que no máximo abrange apenas poucos momentos da vida ou um restrito número de afortunados?
A alegria cristã existe, e é autêntica. Precisamos dela precisamente para enfrentar os compromissos e os cansaços da vida, como ensinava às suas irmãs Santa Teresa de Calcutá. Mas não é uma alegria excessiva, impudente, agressiva. Não solicita manifestações eufóricas e intemperantes. Manifesta-se na luz dos olhos, mas brota e permanece no íntimo. É alegria incontida, mas moderada. É inebriamento sóbrio e espiritual. É uma felicidade visível, mas nunca ostentada. Não suscita a inveja dos sofredores: antes, consola-os e contagia-os. A alegria cristã não é cega diante das dores da vida. Não é otimismo obstinado e obtuso, nem voluntária autoilusão. Não se contenta com um pensamento cor-de-rosa perante o persistente mal de viver. O ano passado ouvimos repetir, como um mantra, «correrá tudo bem», e nas redes sociais partilhavam-se fotografias coloridas e tolas. Tentativas miseramente fracassadas de exorcizar o medo. Não correu tudo bem. Muitas pessoas adoeceram e muitas morreram. Muitíssimas sofreram pesadíssimos danos económicos. E ainda não acabou. Os males do mundo não são apenas a pandemia.
Contudo, tudo isto não prejudica a verdadeira alegria cristã. Podemos, devemos, continuar a entoar o aleluia pascal. Porque, como cantava Leonard Cohen, «love is not a victory march: it’s a cold and it’s a broken “Halleluja”». A exultação pascal é filha do amor, e o amor, quando verdadeiro, não é uma marcha triunfal. Ainda não, por agora. O amor é empastado de felicidade e de sacrifício, em simultâneo, incindivelmente. O tempo da História é ainda o tempo de um aleluia muitas vezes «frio e despedaçado». Um aleluia firmemente desejado, consciente, ferido pelas provações da vida, e todavia pleno de confiança, porque animado por uma esperança invencível. Porque é um fio estendido entre a certeza histórica da ressurreição de Jesus e a espera escatológica da nossa ressurreição. A alegria cristã radica-se no “já” do acontecimento pascal – o túmulo vazio – e estende-se até ao «não ainda» das bodas do Cordeiro. Aquele túmulo vazio é profecia da Jerusalém celeste, quando finalmente «all shall will be well, and all manner of thing shal be well», como Juliana de Norwich ouviu dizer-lhe do Senhor Jesus.
Sim, ainda não está tudo bem, mas a alegria cristã não é um sonho para gente iludida. Estamos nas mãos de Deus. Sempre. «Alegra-se o meu coração e exulta a minha alma: (…) porque não abandonarás a minha vida nos infernos…» (Salmo 15). Eis a fonte da verdadeira alegria pascal, a viver em plenitude. Esta certeza de fé torna possível e lícito cantar o aleluia também nos claros-escuros do presente. Melhor: não só é lícito, como é «nosso dever, é nossa salvação».