A nossa teologia, ao contrário do mundo alemão, onde uma diferente tradição cultural fez com que ela constitua um dos âmbitos do saber público, bem como no mundo francófono, hispânico ou de alguns países da Europa de Leste, conhece como único lugar de produção do seu saber o eclesiástico. Ora, entre as numerosas consequências dessa colocação, gostaria de citar apenas uma: a ausência de uma teologia que cultive uma dimensão “pública”.
A nossa teologia nasce e elabora-se quase exclusivamente entre paredes, com a consequência de se dirigir principalmente àqueles que fazem parte dos nossos recintos, em primeiro lugar os candidatos ao sacerdócio (seminaristas e religiosos), seguidos por um número inferior de jovens leigos que pretendem conseguir o título académico para o ensino da religião católica, e por uma quantidade mais diminuta de pessoas que visam aprofundar a sua fé através do estudo da teologia.
Sem querer diminuir a função eclesial da teologia, e sem calar o facto de que, seja qual for o lugar a que pertença (seja ensinada e investigada no Estado e/ou na Igreja), a teologia obedece às relações de força que em todo o caso a substanciam, pergunto-me, no entanto, que estímulos – em primeiro lugar a nível de investigação e de métodos – pode receber uma teologia constituída unicamente entre os muros eclesiásticos. Uma teologia que não habita outros lugares do saber é inevitavelmente conduzida a não se aperceber do sopro de outras instâncias de pensamento.
E mesmo quando, ao nível dos espaços, o ensino e investigação da teologia coabita nos mesmos lugares onde estão presentes outros cursos superiores, há o risco de os teólogos não estarem concretamente em contacto com colegas de outras disciplinas. Nesta situação, o debate que resta é só (sem dúvida imprescindível) o amadurecido nos livros ou em algumas ocasiões de estudo.
Não sei como será possível recuperar terreno neste aspeto. Por outro lado, também não sei quantos estudantes poderiam inscrever-se numa faculdade de teologia, dado que as saídas laborais estão quase exclusivamente ligadas ao ensino da religião católica nas escolas do ensino básico e secundário.
A teologia não põe comida na mesa
Outra nota dolorosa é representada pela ausência de fundos que desde sempre torna precário o compromisso teológico. Esta situação aflige os docentes das faculdades de teologia em alguns países, leigos e sacerdotes.
É sabido que os leigos que ensinam nas faculdades teológicas em determinados países constituem um número reduzido. Entre estes, só alguns conseguem um ordenado que lhes permite viver desse trabalho; a maior parte tem de trabalhar em duas frentes. Em muitos casos, ao ensino da teologia acrescenta-se o ensino noutras escolas.
A situação também não é favorável para a maior parte do corpo docente, que é constituído por sacerdotes. Estes são, geralmente, retribuídos através do sistema de sustento do clero. Trata-se de uma remuneração que, todavia, não permite aos sacerdotes teólogos dispor de uma segurança económica que lhes permita empenhar-se a tempo inteiro, até com a oportunidade de viagens de estudo ou aceder ao que poderia favorecer uma investigação séria. Aqui tem origem um nem sempre claro suporte motivacional, com o consequente risco de o empenho académico poder simplesmente tornar-se uma ocasião para cultivar outas aspirações e carreiras eclesiásticas.
A propósito da investigação, tenho a impressão de que a produção teológica nem sempre se conjuga com uma profunda investigação científica. Não queria parecer pedante (e desde já me desculpo em antecipação), mas, como costumo dizer algo na brincadeira, «fazer investigação» não significa «fazer papéis». Produzir textos (livros, contributos, artigos) deveria significar colocar preto no branco o que foi elaborado no próprio percurso de estudo amadurecido ao longo dos anos, ou em torno a problemáticas sobre as quais um autor várias vezes se interrogou e, por isso, delas conhece a complexidade.
Não se trata de fazer incursões esporádicas em âmbitos rapidamente abandonados para se voltar para outros, ou produzir escritos amiúde ditados por acontecimentos celebrativos e/ou suportados por eventuais contributos económicos que se conseguem obter. O risco é o de publicar trabalhos genéricos, com escasso sentido de erudição ou de investigação historiográfica, ou ligados mais simplesmente ao género do manual.
Sobre este segundo ponto, não sei se será possível inverter a rota. É verdade que se poderia partir de um maior investimento em docentes estáveis das faculdades teológicas, com uma consequente redução de docentes convidados. Os primeiros constituem, de facto, a espinha dorsal de uma instituição académica, enquanto no segundo caso se trata de colaborações decerto profícuas, mas que, se excessivas, comportam um dispêndio dos já curtos recursos económicos.
Quem é teólogo?
Estou consciente de que estas duas questões levantadas não constituem as únicas problemáticas relativas ao futuro da teologia. Mas quis concentrar estas ideias no terreno da concretude. Porém, para não dar a impressão de ter sido excessivamente redutor, concluo esta rápida reflexão com um último (mas talvez pudesse ser o primeiro) ponto.
Seria necessário refletir, sobretudo a nível eclesial, sobre o perfil do teólogo, ou sobre a sua vocação/profissão. Desta discussão, precisar-se-ia depois de questionar se o teólogo deveria continuar a deslocar-se entre vários compromissos, ou se – ainda que não abdicando de outras colaborações frutuosas para o seu empenho teológico (por exemplo, em contexto pastoral, formativo, etc.) – deveria concentrar os seus esforços, além da docência, sobretudo no estudo e na investigação, ajudando assim a comunidade cristã a deixar-se provocar pelas instâncias da nossa cultura, definitivamente marcada por um pluralismo que impele os próprios crentes a viver na unidade da fé, mas não na uniformidade do pensamento.