San Miniato al Monte
Em abril de 2019, estive em Florença, uns dias antes de partir para Cracóvia e para Auschwitz-Birkenau. Não é fácil encontrar palavras para certas experiências, algures entre a subida da Via del Monte alle Croci e o fim daquele último apeadeiro.
Recordo com particular comoção San Miniato al Monte, um desses lugares que redimensionam o silêncio. Partilho aqui um poema que nasceu no contexto dessa viagem, num exercício de desproteção:
De ti não direi a paisagem,
o agasalho, essa luz convexa que me ensinou
o outono. De ti direi a nuvem,
a espessura da morte
se entardece.
De ti direi que te não vejo,
que és, dentro dos meus olhos,
um modo de não ver, uma necessidade de sair.
Direi um desejo metálico,
um guindaste de pressentimento.
De ti não direi as ruas,
os espelhos.
Se tiver palavras, direi os pés
submersos nos degraus invisíveis,
uma escada de subir. Direi o silêncio
se houver palavras, o silêncio
de não ter palavras e saber a tarde.
De ti direi que me perdi, que da casa
só aprendi o chão e que sei da ruína o nome,
mas não sei o teu nome.
E prefiro o sabor das amoras ao poema
que te diz.
De ti direi que os pássaros
são uma hipérbole
da tua ausência.
Se entardece, pressinto que te assemelhas
a um pássaro morto, a um modo de cair.
Mas de ti nunca direi a gravidade.
De ti nunca direi a fruta
que nenhuma fome impediu que apodrecesse,
sob a sombra da árvore
penitente.
Se obedeceres ao desejo
metálico das minhas preces,
de ti direi que és
se te não digo.
Se obedeceres ao sabor das amoras,
de ti direi que habitas
impotente, necrófago bem-amado,
de ti direi que habitas
o ângulo morto.