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Seguir a estrela

«O Cristo, a Palavra feita carne,
nascendo da Mãe eleita,
quis manifestar-nos a natureza do Pai sem princípio,
e foi revelado por aquele mesmo poder
mediante o qual foi gerado:
através de uma nova estrela deu
um sinal da sua infância,
um anúncio do seu poder,
um testemunho da ignorância do pecado.
E aquele que, tornado terra de uma mulher,
tinha ido além da lei do parto,
aderindo inseparavelmente ao Pai,
obteve, de justo direito, o Céu.»

Com acentos poéticos o latim da liturgia moçárabe canta a Epifania do Senhor, a sua manifestação às gentes. Na noite desta aparição brilha uma luz nova, uma estrela, como um ponto de claridade, de esplendor, de glória. Também o mundo criado se faz voz do Incriado que se manifesta, que levanta o véu, e, com admirável con-descendência, desce para se fazer terra de uma mulher.

Esta “nova estrela”, no seu resplendor, o sinal de uma infância, o sinal de uma vida, recém-florida, que ainda não fala, mas que – na sua vulnerabilidade já exposta à violência – gera em torno a si uma trama de movimentos de aproximação e fuga, de busca e de suspeita, de amor e de morte, que têm a sua figura nos magos e em Herodes, com os seus cortesãos.

Assim a estrela oferece o “potentiae ministerium”, na medida em que esse astro se coloca ao serviço do poder da ação de Deus, manifestando-a, e ao mesmo tempo a prova documental – se assim se pode dizer – da ignorância, da cegueira e do pecado dos poderosos.

E eis que a pregnante sintetização do texto antigo deixa resplandecer, como num florilégio de brevíssimos pontos luminosos, a obra da estrela:

«O novo esplendor daquele astro
que Deus tinha criado,
Deus o teve como servo,
a criança como testemunha,
o mundo como anúncio,
o rei teve-o como prodígio,
os pastores como alegria,
as gentes como maravilhamento,
a fé como dom,
a crueldade como temor.»

Estamos como que diante de uma teoria de personagens do presépio, enquanto se cumprem as profecias: «As estrelas brilharam nos seus postos de vigia e rejubilaram: Deus chamou-as, e responderam: “Eis-nos aqui”, e brilharam de alegria por aquele que as criou» (Baruc 3,34-35).

Assim, aquela única estrela refulge nos seus diferentes rostos, como obediente serva de Deus, como testemunha dada ao Filho feito criança, como mensagem luminosa para um mundo entrevado, como inesperado farol para a busca dos peregrinos, como fonte de alegria para a simplicidade dos pobres, como maravilha que atrai os distantes, como dom para quem vive a confiança, como motivo de temor para quem se entregou à impiedade cruel.

Ao clarão da estrela delineia-se, porém, uma dúplice realidade, em parte de luz, em parte de sombra; é como se um feixe luminoso operasse um discernimento, uma distinção, entre dois grupos, historicamente especificados na narrativa evangélica, mas também espiritualmente presentes no íntimo de cada um de nós, numa convivência em claro-escuro.

«Por esta estrela tremeram os malvados,
por ela exultaram
quandos tinham recebido o anúncio,
por ela adoraram
quantos viveram a obediência da fé.
Pela luz que a estrela difundia,
acorreu quem anelava à salvação,
pelo medo que ela incutia,
amedrontou-se quem ia de encontro à morte.
Assim, enquanto o céu brilhava de uma nova lâmpada,
a fé foi iluminada,
e a perfídia ofuscada.»

Diante da humildade de um Rei que vem ao mundo como anúncio de paz e de salvação, há aqueles que temem e tremem, sentindo-se ameaçados nas suas seguranças, invadidos pelo medo de perder o seu poder, o seu monopólio. Mas, ao mesmo tempo, há também aqueles que dançam de alegria, ao ouvir um anúncio de libertação destinado aos humildes, que por isso adoram o mistério, levando a mão à boca em sinal de admirado maravilhamento. Assim a frágil luz de uma estrela ilumina uns e aterroriza outros.

Agarrados a essa estrela, reconheceremos que, quando vivemos na confiança, caminhamos na luz, enquanto quem trai a verdade e a justiça anda às apalpadelas na noite do coração, numa confusão cega, habitado pelos fantasmas dos seus medos.

E depois, silenciosa, a estrela detém-se, sobre um ninho de pobreza, no anonimato de uma marginal povoação, num insignificante quarteirão de uma periferia perdida. Mas é aí que o extraordinário, mais uma vez, se faz acontecimento para quem não cessa de procurar:

«Sonhar um sonho impossível
carregar a dor das partidas
arder de uma qualquer febre
partir para onde ninguém parte
amar até à laceração
amar, mesmo em excesso, mesmo mal
tentar, sem força nem armadura,
alcançar a inacessível estrela.
Esta é a minha demanda:
seguir a estrela» (J. Brel).








 

In Monastero di Bose
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: D.R.
Publicado em 04.01.2020

 

 
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