Um mendigo cego: o último da fila, um náufrago da vida, destroço abandonado à escuridão no pó de uma estrada da Palestina. Depois, inesperadamente, tudo se coloca em movimento: passa Jesus e é como uma pequena turbina, reacende-se o motor da vida, sopra um vento de futuro (cf. Marcos 10, 46-52).
Bartimeu começa a gritar: Jesus, tem piedade. É, entre todas, a oração mais cristã e evangélica, a mais humana. Ficou nas nossas liturgias, no som antigo do «Kyrie eleison” ou do “Senhor, piedade”, confinada, infelizmente, ao contexto reduzido do ato penitencial.
Com efeito, não é de perdão que se trata. Quando oramos assim, como cegos, mulheres ou leprosos do Evangelho, devemos dar asas a todo o esplêndido imaginário que preme sob esta fórmula, e que indica ventre de mãe, vida gerada e dada de novo à luz. A misericórdia de Deus compreende tudo aquilo que serve à vida do ser humano.
Bartimeu não pede piedade pelos seus pecados, mas pelos seus olhos apagados. Invoca o Doador de vida em abundância: mostra-te pai, sente-te mãe deste filho que naufragou, dá-me de novo à luz!
A multidão faz de muro ao seu grito: cala-te! Estás a perturbar! É terrível pensar que diante de Deus o sofrimento não tem lugar, que a dor possa perturbar. Mas continua a ser assim, ritualizámos a religião e um grito fora do programa desassossega.
Mas a vida é um fora do programa contínuo: a vida não é um rito. Há no ser humano um gemido, do qual perdemos o alfabeto; um grito, com o qual não nos conseguimos sintonizar.
Ao contrário de todos, o rabi escuta e responde. E liberta toda a energia da vida. Notamo-lo pelos gestos, quase excessivos: Bartimeu não fala, grita; não tira a capa, lança-a; não se ergue da terra, dá um salto.
A fé traz consigo um salto em frente, portas que se escancaram, caminhos ao sol, algo de mais ilógico e belo. Acreditar é adquirir beleza do viver.
Bartimeu fica curado como homem, antes que como cego. Fica curado por aquela voz que o acaricia: alguém deu-se conta dele, alguém o toca, com uma voz amiga, e ele sai do seu naufrágio humano: o último começa a redescobrir que é um como os outros.
Chamado com amor, a sua vida reacende-se, põe-se de pé, precipita-se, ainda sem ver, para uma voz, orientado por uma palavra boa que ainda vibra no ar. Sentir que alguém nos ama, torna-nos muito fortes.
Também nós nos orientamos na vida como o mendigo cego de Jericó, talvez sem ver claramente, mas seguindo o eco da Palavra de Deus, escutada no Evangelho, na voz íntima que indica o caminho, nos acontecimentos da história, no gemido e no júbilo da Criação. E que continua a semear olhos novos e luzes novas sobre a Terra.