“Teorbas dos tempos” é o primeiro volume de homilias, assinadas por Joaquim Félix de Carvalho, «relativo aos Tempos Fortes (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa) do Ano Litúrgico e, também, a celebrações “especiais” (Matrimónios, Funerais, Sétimos dias, etc.)».
O livro distingue-se dos habituais “homiliários” ao incluir fotografias a cores e a preto e branco, bem como um haiku por cada uma das homilias, além de oferecer aos leitores, através de um código que pode ser lido por telemóveis (“QR Code”), o acesso a conteúdos audiovisuais, como filmes, músicas, artigos, obras literárias e de arte.
«Nas homilias de Joaquim Félix de Carvalho descobre-se essa exercitação da fé como competência para ligar coisas heterogéneas, edificar lugares de hospitalidade, traduzir as novas linguagens, sinalizar urgências, tocar as feridas com o lodo do inaudito. Não espanta, pois, que o seu discurso se aproxime tão frequentemente do pluriverso das linguagens artísticas. Assim, juntas num livro, as suas homilias constituem-se como um vasto átrio onde uma multidão de sons, textos, gestos, imagens, movimentos assinalam uma fenda espiritual no mundo», anota Alfredo Teixeira, na “Introdução”.
A arte a que Joaquim Félix Carvalho recorre não é, sublinha o mesmo texto, «um exercício ilustrativo ou uma retórica preparatória ou instrumental». Com efeito, «os artefactos recolhidos no discurso homilético, incluindo as suas fotografias ou a sua arte de embutimento poético, revelam a coragem de perseguir, longe da mesmice dos lugares esperados, fora dos cânones celebrados da arte sacra, as dores de parto de um mundo em transformação».
Transcrevemos alguns parágrafos da “Apresentação” da obra, assinados pelo seu autor, padre da arquidiocese de Braga, professor da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Portuguesa e especialista em Liturgia.
«Teorbas dos Tempos. É este o livro delas. Teorbas? É verdade, há quem lhes chame homilias. E são. Quarenta e uma. Como soam as teorbas! Sim, as teorbas. Neste amanhecer de nuvens em fios, os cabelos alinham-se em altos cristais. Soltos. Soltos. Mil vezes soltos. De gelo. Gelo fino. Oiço-as. De lá, dessa lonjura. Como um plural baixo contínuo, são dedilhadas na orquestração dos tempos. Da Palavra na sua deslocação. Da palavra ruminante. Da palavra partida, como loiça branca ao pé de uma ameixeira, entre pinheiros. Da palavra turbante que remói. E remói. Mascada. Moída. Aqui nesta pedra antiga. Na voz, dizes bem. No côncavo da voz. Friccionada com a outra Voz, nos seus gestos. Moendo, até à flor das linguagens, os grãos sonoros e não verbais das miríades de vozes. De todas as vozes. De Deus e do mundo. Aguenta a pergunta. Evita dispará-la. Dificilmente despentearás as nuvens. Elas voam a grande altitude. São rebanho transumante. Bem, diz-me, antes que avances: De que teorbas me falas? Permite a insistência.»
«São quarenta e uma homilias, repito. Há nelas um transfundo ― um alastrado fundo ― musical. Há uma transcendência vibrante, com fibrilações, a acontecer.»
«Que homilias publicar? Diante da pergunta, estabeleci critérios. Desde o estágio pastoral, como diácono, em Santa Maria Maior, na cidade de Barcelos, que escrevo as homilias dos domingos e dias santos de guarda. E, por vezes, em certos dias da semana e para celebrações ― digamos ― especiais. São vinte e oito anos de trabalho homilético. Tal exercício, na ordem das largas centenas de homilias, permitiu-me aperfeiçoar o estilo próprio. E, diga-se, nisto de estilos, há muitos. Cada um saberá como, por exemplo, colocar a voz: se troa se fala ao coração. O mais importante, como assinala o Pe. António Vieira, no Sermão da Sexagésima ― embora referindo-se à pregação ―, é que a mensagem passe. Por conseguinte, decidi que seria melhor publicar as homilias feitas desde o período da pandeia de COVID-19, quando se retomaram as celebrações, com a participação física das pessoas, e o final do transato ano litúrgico, que terminou em novembro de 2023.»
«Creio ser indispensável referir o contexto plural destas homilias e o imperioso respeito pelas assembleias litúrgicas, na sua heterogeneidade. Neste sentido, convém saber que o lugar de referência da sua partilha é a igreja de S. Paulo, do Seminário Conciliar, na celebração da eucaristia dominical, cuja assembleia é formada quer pela comunidade de teólogos, em formação inicial para uma eventual ordenação presbiteral, quer por outras pessoas, sobretudo da cidade de Braga e arredores, mas também por imigrantes do Brasil e turistas. Outras homilias, porém, foram praticadas no contexto de várias deslocações: numa comunidade de portugueses em Zurique, na igreja da Misericórdia de Barcelos e em diversas paróquias da diocese de Braga. De eucaristia para eucaristia, por imperativo das circunstâncias, mudada a tipologia da assembleia ― ora maioritariamente com as crianças da catequese, ora com pessoas adultas e anciãs ―, ajustava a linguagem, e até orientava de forma diferente a homilia. A base textual, porém, permitia uma maior capacidade de adaptação. Sendo que, não raras vezes, dispensava quase tudo quanto tinha escrito.»