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Todos os fiéis defuntos: O fim da espera

Dois de novembro. Flores às portas dos cemitérios, memórias que reemergem, rostos que voltam a tomar forma e vida, revivescências de uma oração nunca esquecida, nem sequer por aqueles que há anos deixaram de frequentar igrejas mas não faltam à visita a estes lugares, pelos cristãos chamados de cemitérios, dormitórios, os “koimetérion”, em evidente desacordo teológico com a palavra pagã “nekrópolis”, cidade dos mortos.

Essa oração, que todos repetimos, «o eterno repouso», talvez merecesse ser reescrita, porque não exprime da melhor forma não só a teologia da “cidade do Céu”, nem a do “repouso” do dia de festa, que não é inatividade e silêncio, mas participação na obra de Deus e no seu comprazimento ao sétimo dia.

Todavia, ainda que não ousando retocar algo que mergulha as suas raízes numa tradição que, em latim, atravessa o milénio e deriva do IV livro de Esdras, apócrifo, limitamo-nos ao menos a esclarecer a sua mensagem, para que a luz resplandeça não só para os “cidadãos do Céu” que efetivamente lá chegaram, mas também a nós, que para ela nos encaminhamos («não temos aqui cidade permanente, mas procuramos a futura», Hebreus 13, 14).

Atendamos à tradução do original latino do texto atribuído a Esdras: «Por esta razão vos digo, gente que escutais e compreendeis: esperai o vosso pastor, ele vos dará o eterno repouso, porque está próximo aquele que chega ao fim dos séculos. Mantei-vos prontos para os prémios do Reino, porque a luz perpétua resplandecerá para vós pela eternidade do tempo. Fugi da sombra deste século, recebei a alegria da vossa glória. Eu dou público testemunho do meu salvador. Recebei o mandamento do Senhor e alegrai-vos, dando graças àquele que vos chamou para os reinos celestes» (2, 34-35).



«Dá-lhes, Senhor, a alegria de terem chegado até ti / e resplandeça aos nossos queridos a luz do Céu / admite-os a partilhar para sempre, colaborando contigo, / a beleza infinita do Reino de Deus. Ámen!»



É a confirmação de um repouso que não é ócio prolongadamente indefinido ao mesmo tempo que fastidioso. É, ao contrário, o fim da espera, a chegada do pastor que nos insere no Reino, conferindo alegria e glória (também esta biblicamente entendida como manifestação da beleza divina.

Só com estas premissas o texto pode iluminar-se com aquela luz que remete para o que Jesus dizia de si e de quantos os seguem: «Eu sou a luz do mundo; quem me segue, não caminhará nas trevas, mas terá a luz da vida» (João 8, 12). E ainda: «Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância» (João 10, 10).

A abundância, expressa com o termo grego “perissòn”, indica aquilo que excede a medida. Mas que medida? Decerto também a da imaginação humana. Remete para a “charitas sine modo” de que falava o P. Tonino Bello, o amor de Deus que não só nunca cessa, mas que nunca nos deixa de surpreender.

A abundância é não apenas plenitude, mas reunificação à nossa origem de quem provimos e que por toda a vida seguimos. É felicidade plena porque é colaborar com Deus em prosseguir a instauração completa do seu Reino. É, por isso, um “repouso” daquilo que era esforço na Terra e agora é participação na obra criadora de Deus, e por isso comprazimento em que a sua vontade se vai cumprindo e a sua realeza se vai instaurando. Em todo o lado?

Em todo o lado, ainda que se tenha de reerguer de quedas contínuas, voltar a pôr em marcha quem parou e se resignou, voltar a dar alegria a quem foi esmagado pela tristeza. Todo o discurso até agora autoriza a entender a tradicional oração pelos defuntos desta maneira: «Dá-lhes, Senhor, a alegria de terem chegado até ti / e resplandeça aos nossos queridos a luz do Céu / admite-os a partilhar para sempre, colaborando contigo, / a beleza infinita do Reino de Deus. Ámen!».


 

Giovanni Mazzillo
In L'Osservatore Romano
Trad.: Rui Jorge Martins
Imagem: Dulinskas/Bigstock.com
Publicado em 02.11.2023

 

 
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