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«A Tua paz, Senhor./ Não sabemos falar. Nunca Te escondes»: Três poemas de Pedro Tamen

No beijo contra a parede, na boca a saber a cal,
adivinhamos todos, Senhor, o que se segue. Teremos mãos
suficiente fortes ou não serão precisas? Concretamente
não sei o que terá qualquer pastor senão ovelhas.
Fundo da questão és Tu e esta dor que abusa,
o não pensar que mais, o ter apenas ar. Sorrisos,
isso de bombas, nossa cabeça a prémio. Humilde,
cuspo no Teu peito e também Tu estás só. Madura uva
a nossa que oferecemos, e com vergonha é certo, nos olhos das crianças.
Triste, triste não sei mas nosso, este país de Medo,
nele é que estamos todos, mesmo que Te não saibam.
Nada nasceu, é isto, e andamos à roda. Quando morreste,
na Tua estranha casa sabemos quem ficou? Por quem
o pão foi amassado e recebido em falta? Hoje,
no próprio dia de hoje, quando podemos ir
ao próprio fim do mundo e nunca lá chegamos
porque é redondo e Teu (planeta, em grego vagabundo),
um dia (cedo, cedo), Teus passos nesta terra, enegrecida
por ossos enterrados bem no fundo, dirão claramente que o Sol é de verdade.

Nem sei que paz será.

 

Barco, barco subo, ardente, hemisfério plano, sem mar...
Até lá – eis a força, o ferro descendo, a dureza do brilho,
o fechar dos olhos encolhidos.
        Amanhecer todas as manhãs...
(Conseguimos dizer, é certo – quem nos calará?)
Calcular os pés nas pedras brancas, pôr os dedos na água
e andarmos à volta...
        Mal, que não só isso.
(Pouco mais diremos.) Mal, que não só isso: dor que vem
na velha carruagem do último comboio que apitou
e se furtou ao túnel. Onde encontro me escondo.
Rochas acariciadas em disfarce, encostadas ao chão,
graças ao nevoeiro. Mão caída ligeiramente aberta
dentro do próprio bolso. (Ilusão, nós pouco mais diremos.)
Mítica salvação entre bagos de terra. Calma calorosa
nas doenças da carne. Discurso que encontrou as palavras
na tremura das velas. Estar do outro lado. Não ter nada com isso.
Pérfida solução. (Onde caiu a bala? Valerá a pena
fazermos os quesitos? Pouco mais diremos.) Culpa,
culpa descida ao nosso próprio fundo, todos os dias verde.
Raiva à morte, cântico rubro, fogueiras acesas
no centro imenso da clareira toda. Vozes: muito mal!
Ainda mal, que não só isso.
        Mas pouco mais sabemos.
De nós se fala e pouco mais diremos, até lá.

Senhor,
a Tua paz.
Calados, silentes ventos, vêm ventos, donde?
A Tua paz.

Nobre, inteiro, nem sei se lágrimas. Nem sei
se ainda restos há que possam levedar
a Tua paz.
Nem sei, sabemos, onde se põem risos
ou porque vivem lagos, se os há,
nem sei se alguma coisa existe.

A Tua paz, Senhor.
Não sabemos falar. Nunca Te escondes.
Poder ouvir ruídos. Palavras.

A Tua paz.
Isso daqui esperamos e ousamos dizer-To.
Silêncio a bater dentro dos nossos pulsos
(se os há),
silêncio grande e que sentimos
sem esperança que se acabe, sem mal
que venha cedo ou tarde. Silêncio
na grande luz que não dizemos,
silêncio maduro, enfim, depois de agora
nós tantas vezes termos perdido o ar,
silêncio grave ou não, última
partida, eterna, a Tua paz.

Nós nunca mais falamos. Senhor
que Te perdemos ganho,
Senhor,
        no rio escuro, denso
e que decerto finda porque é lei,
no canal que atingiram
ao partirem as pernas,
no beco, no surdo túnel
onde se passam coisas
e que nos ossos temos,
bem dentro de nós,
neste real esqueleto,
no rio,
        soa e adivinha,
anunciando o grito,
a vida, a grande vida
inabarcável quase,
de grandes cores que não sabemos.

Certo
que o poder To deixamos
(mal podemos falar!)
Mas é nos curtos milésimos da nossa carne reservada,
mas é na parte de trás dos olhos que fingimos,
na nossa própria fonte é que Te vemos
e temos Tua vinda completa.

E agora ao que vier não podemos fugir,
E agora Te esperamos sem dúvidas nem mágoas.
Agora a Tua Mãe, de resto nossa Filha,
Teu centro se é que existe, Teu rio
que se espalha na nossa própria sorte,
com isto Te esperamos e tentamos ganhar
o que não é direito mas que Tu mesmo deste.

Senhor,
longe, longe, longe,
Te esperamos,
queremos,
ir longe, longe, longe,
ao abrir dos selos, ao silêncio sem gumes,
ao sossego em que o destino se vence,
à Tua paz.

 

Pois se é cansados, Pai, que o nosso pé reclama
o ponto principal donde o descanso afirme
não ter ternura mais, mas solução,
não temos que dizer, nem só podemos,
os motivos e as dores; e só mostramos,
abrindo bem a boca por Ti dada,
a nossa sede.


 

Pedro Tamen
In Verbo - Deus como interrogação na poesia portuguesa, ed. Assírio & Alvim
Imagem: Pedro Tamen | D.R.
Publicado em 29.07.2021

 

 
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