«1
Abre-se inesperadamente o espaço
azul-violeta escuro
inteiro na ausência
de elementos visuais
É o lugar
de Deus à nossa roda
o horizonte espacial
das potências
2
Maria e o menino
encostam as maçãs do rosto
É a mensagem
Cristo a tocar-nos ternamente
Perdida
a ternura torna-se um estalo
indelicado
à luva de ferro de Colonna
3
As estrelas destilam
ouro pelo céu à noite
No azul
do crepúsculo a luz
envolve e tinge-nos no padrão
divino
E faz-nos noturnos
de olhos luminares
4
A mão aberta
de Maria é o colo seguro
para o corpo de seu fi lho
Forte mãe
como seremos à ternura
dessa janela?
Sim, da mão
em que mais confiamos
5
Desponta uma estrela
em seu manto
acesa na raiz do coração
Contempla
o poder e a importância do amor
Completa
a luz do arbítrio da sabedoria
a luz da intuição»
Os versos de “Iconóstase de Nossa Senhora da Ternura” abrem o novo livro “Triságia – Ícone Senhora da Ternura”, que Joaquim Félix de Carvalho assina sobre a «escritura a têmpera composta por um ícone em cinco partes e baseada num antigo ícone russo, conhecido como A Nossa Senhora de Vladimir».
A obra publicada pelo Seminário de Nossa Senhora da Conceição - Braga, da qual oferecemos o texto de apresentação, é composto por um texto da pintora Lisa Sigfridsson, autora do conjunto de imagens, os capítulos “Janelas sem vidros”, com 15 meditações, e “Do ícone”. Seguem-se dois álbuns, com imagens a cores, e o posfácio, redigido por João Paulo Costa.
Uma peregrinação interior ao livro “Triságia”
Alzira Fernandes
In “Triságia – Ícone Senhora da Ternura”
Ao percorrer as páginas do livro Triságia, fi-lo em diferentes modos, ritmos e olhares, numa cadência que passou pela curiosidade, atravessou a espessura do desconhecido e mergulhou na profundidade. Primeiro, o livro ficou à espera, à minha espera em cima da mesa, junto de outros livros não lidos. De vez em quando deitava de soslaio o olhar àquela capa manchada de tinta alilasada. O título Triságia empurrava-me para o dicionário, mas tinha preguiça de procurar. Aliás, quando falei do livro a uma amiga, a pergunta saltou: Que significa essa palavra?
Aquele título desconhecido fez-me adentrar e, tal como Moisés diante da sarça que ardia sem se consumir, descalcei as sandálias e deixei-me conduzir. Sentei-me e comecei a folhear aquelas páginas densas devagarinho como se de um ritual se tratasse. De facto, não podemos apressar a leitura. Senti em mim a mesma sensação que me assola sempre que me coloco em oração diante de um ícone. Não é à primeira, nem à segunda que se entra. É preciso esperar ali, no sossego, de mãos e mente vazias. Aguardar no silêncio junto do umbral até que a janela se abra e se dê início a um diálogo não conhecido. Folheara apenas…
No dia seguinte sentei-me de novo e abri o livro com aquela sensação de que ele me esperava com ansiedade. Agora, já não ao ritmo do folhear, mas do contemplar… Eu que tantas vezes rezara ao “Menino e sua mãe”, (expressão de Mateus no seu evangelho da Infância), diante do ícone de Nossa Senhora da Ternura de Vladimir, eu que visitara o original e a história das suas vicissitudes, eu que animara um workshop sobre ele e convidara imensas pessoas a contemplá-lo, entro no livro e deparo-me, nas primeiras páginas, com um condensado de todas estas vivências na expressão faseada do ícone dada pela iconógrafa Lisa Sigfridsson. A escritora convida a olhar… É preciso um olhar contemplativo, um olhar que vê sem ver, um olhar que se deixa guiar pelo mistério do inacabado. Um olhar que revisita os cânones iconográficos da Tradição, mas abre à dimensão do ainda não. É de facto o ícone de Vladimir que os meus olhos viram tantas vezes?
Descalcei-me outra vez e continuei nesse processo de adentramento do livro. A sua leitura não se possui, aponta para uma sabedoria do fruir, do saborear, com horizontes abertos de significados. Ouço o murmurar das palavras que dançam e cantam o ícone: a lenda, a história, os materiais, a liturgia, a brandura daquele que balbucia uma oração, “Por teus olhos abertos à ternura fecha os meus” e uma aclamação (triságia), “Santa Mãe, Santa amiga de carinho, santa rainha vacila de ternura por nós”. Ah, o título…
É preciso tempo, muito tempo e silêncio para entrar num livro que dança ao ritmo de toda a Criação. Fica o eco das histórias de avós aos netos e a palavra do teólogo que ilumina a fundura do ícone. Fica a beleza, a cor sem contornos. Fica o murmúrio no fundo da alma, “Como és bela lâmpada dos meus olhos!”
Triságia, espanto e assombro… Desejo de voltar mais uma vez a adentrar-se no mistério do indizível.
"Triságia" | D.R.
"Triságia" | D.R.